quarta-feira, maio 28, 2008

um outro texto que fiz sobre as Palavras do 3º Jogo

Já tinha feito o texto que publiquei no 3º Jogo, mas o facto de haver recebido textos de duas participantes que faziam continuidade a um anterior ficou em meu pensamento e um dia, de jacto, saiu este:

(in: 2º jogo das 12 Palavras) “Deixo-os diluir e fundirem-se nos meus afectos. Sol, gato e chocolate.”

Exactamente como fiz em criança quando saboreei o primeiro chocolate de leite sentado na varanda, na espreguiçadeira do pai, aos primeiros raios de sol da manhã e o gato, outro, estiraçado também ele ao sol.

Seis décadas e mais de meia dezena de anos de vida, mais uma vez ao sol, neste caramanchão tanto ao norte da infância, observo, dentro de mim, a tapeçaria do vivido, até hoje, onde todas as vulnerabilidades e exponentes pessoas estão e para sempre ficarão,inscritas.

As memórias derramam-se sobre mim, fresco orvalho a afastar as penas sentidas, a dor da morte de todos os que já partiram, mas cujas silhuetas continuam presentes e vivas sem que nada lhes possa fazer, ou ser, obstrução.

Conselheiro de mim sigo o caminho da vida até ao reencontro do ser com o Todo.
Eremit@

quarta-feira, maio 21, 2008

3º Jogo das 12 Palavras - 1ª parte




I

Sentir...Azul...

Sentada no alpendre
Vislumbro o céu na manhã
Que se entrecorta
Com o azul do mar
E se mistura com o
Azul da tapeçaria
Onde repouso
os meus pensamentos...
o orvalho desliza
por entre as rosas feito canção...
Pego na pena
Para escrever,
Mas...
Desenho a silhueta
De uma criança
Da criança que fui
E sinto a minha vulnerabilidade
Que tento afastar
E outro esboço,
Entre o limite
E o ambíguo
Desenho a morte
E risco...
Não vou morrer ainda...
E fito o mar
Que me leva…e eleva
Conselheiro de tantos momentos
E sinto a obstrução
Dos meus pensamentos
Que voltam a repousar
Nos azuis à minha volta
E uma paz me invade
Elevada ao exponente máximo
De calma e tranquilidade
Enquanto
O mar calmo, imenso
Continua a desenhar o azul
De calma, de ser e existir...
De mim...
Dair

II

(in: 2º jogo das 12 Palavras) “Mera sobrevivente que recusou ser cobaia ou enriquecer utilizando o denominado dom de que falo hoje pela primeira vez!

Dom...ou maldição nesta sociedade?”

Desde CRIANÇA que esta teia, em que vozes e pensamentos alheios, sofrimentos e penas sentidas por qualquer pessoa me recobre e esmaga, apesar de toda a obstrução sempre em vão tentada, mostrando-me com toda a clareza a vulnerabilidade dos seres que comigo habitam o planeta, bem como a minha por nunca conseguir afastar aquela tapeçaria de retorcidas silhuetas vivas - murmurantes, sibilantes nascentes de ruídos inimagináveis para qualquer outra pessoa - desde as mais humildes às mais exponentes figuras da sociedade.

Lembra um imenso, esmagador e sempre crescente quadro de Bosch onde o demo parece ser o conselheiro preferencial da humanidade...

Desde criança que espero a manhã, a aurora, em que um límpido e puro orvalho, consiga trazer o aniquilamento, a morte,de todas as dores que nos submergem.
TMara

III

e…caminho


Caminho pelos campos
Livre, solta...eu
Respiro o odor do orvalho
Na frescura da manhã
Sinto-me criança
E fito os meus sentimentos
Na vulnerabilidade do sentir
Exponente principal
Do meu livre existir!

E vou tecendo os meus sentimentos
Na tapeçaria do meu ser
Cores coloridas, com laivos de luz,
Risos e brincadeiras...
Suprimo o negro...
Não coloco a morte
Sei bem que ela existe
E volto ao meu coração
Conselheiro do meu sentir
Vou afastar a tristeza
Com mais um riso e um passo
Na obstrução de uma lágrima
Que se quer desprender
Enquanto um pássaro selvagem
Deixa cair uma pena
E parte...
Breve silhueta que se afasta
Ao longe no firmamento,
E eu...
Livre, solta, continuo
a caminhar pelos campos!
elsa nyny

IV
Luz

Na luz da manhã a criança vê a luminosa silhueta da mãe, tal suave pluma, leve pena,
dobrar-se sobre os canteiros, afastar e colher ervas daninhas que abafam as cintilantes flores que sob as gotas do matinal orvalho semelhando viva, colorida e mágica tapeçaria animada por pirilampos.

Na sua inocência e pureza a criança só capta o amor que sente irradiar, vibrando forte no ar, entre ambos, bem como entre a mãe e aquele pequeno universo de cores e odores.
Desconhece ainda a vulnerabilidade da vida humana pelo que não reconhece a vulnerabilidade da mãe, de onde, pouco depois, a vida se esvaziou.
.
Hoje, homem feito, o Juiz Conselheiro, regressa ao temp(l)o do jardim, ao temp(l)o da pureza e do amor incondicional que lhe foi ar, pão, leite, água…Tudo.

Busca força, reúne energias para, com sentido de justiça, lidar com a sistemática obstrução em que as meias verdades têm enredado o processo e as mentiras o têm inquinado…

O processo sobre aquela violenta e feroz morte de que o homicida se ri e vangloria, transformado o monstro numa expoenente figura dos mídia, dando entrevistas em tudo o que é jornal e revistas, aparecendo a toda a hora nos vários canais de televisão enquanto a vítima, retalhada, caiu no esquecimento das gentes no circo em que a vida se transformou.
Sereia

V
O Conselheiro Acácio, silhueta em negro, apertada em colarinhos engomados, exponente da vulnerabilidade das tapeçarias antigas, deu em afastar a criança, obstrução momentânea de sua peroração. Ergueu a bengala, apontou a janela e dissertou sobre o orvalho da manhã, a pena de ave pousada na balaustrada, mas não falou na morte dos cabelos que lhe davam mais brilho à calva.

Assim vai a política, ainda agora.
miruii
VI
A criança corre sobre a vasta tapeçaria multicolor e odorífera, de flores do início da Primavera, sentindo o frescor das gotas de orvalho nos pés e a cada dia assim faz nascer a manhã.

Ao longe a mãe observa, mas nada mais distingue do que uma pequena, quase translúcida silhueta no longe.
Sabe que é o filho que corre veloz pelos campos. Os sapatos jazem perto dela.
Onde ele os largou e abalou à desfilada campos fora.

Com a mão direita imita uma pala sobre os olhos, a fazer sombra.

Uma brisa levanta-se. O cabelo esvoaça-lhe pelo rosto tapando-lhe a visão.
Com a mão esquerda - não quer desviar os olhos do filho - tenta afastar o esvoaçante cabelo da frente dos olhos de forma a não lhe tapar a visão.

Sorri ternamente lembrando a frágil figura do filho, leve como uma pena na sua aparente vulnerabilidade física que tanto preocupa o pai, conselheiro de estado, emergente e exponente figura da oposição que, por todos os meios, faz obstrução ao governo, com a mesma tenacidade - quase obsessiva - com que segue todos os conselhos, prescrições, dietas, que acredita o ajudarão a combater, a enganar, o tempo, a vida, a morte, por mais uns anos, na busca de uma aparente eterna juventude.
Eremit@

VII

A Tapeçaria

Estava gasta e debotada. Pendurava-se no vão das escadas. Entre o primeiro e o segundo lance, quando os degraus espreitavam a entrada da casa, e também os quartos de cima. Era uma grande tapeçaria.

Contava uma história tecida nas suas entranhas de seda. As cores tinham-se desmaiado com orvalho do tempo. Mas continuava bela e enigmática. Duas figuras, apenas, no centro. Um velho e uma criança. O pequeno rubicundo, loiro e lácteo, pese a cor acinzentada do tecido. O velho, esguio, de barbicha, olhar penetrante que girava consoante se subiam ou desciam as escadas, como que a ousar penetrar nos segredos da casa.

Em redor móveis de madeira velha quase exalando o cheiro a cera, compunham o que parecia um quarto. Na alcova junto à janela de vidros manchados deitava-se uma figura. O artista fora feliz na composição das cores. O rosto esquálido tinha precisamente aquele tom de morte, que arrepia, e torna mais pálidos os primeiros raios de sol que visitavam a manhã. Perpassavam pela janela num adejo de calor para suavizar a pena que se evolava no ar. Pressentia-se o frio e a tristeza, quase a despedida. Na parede em frente repousava o espelho pendurado sobre o baú de madeira maciça, alforge de linhos, e loiças e demais enxoval, exponente da sua condição social. O espelho trazia de volta o movimento que parecia ter parado. Breve silhueta em rotação, o velho ergue o dedo admoestando o pequeno loiro. E o movimento repete-se, lenta e deliberadamente, os dedos tapam os lábios, em obstrução de som. Silenciado o chilreio da criança, afaga-lhe a cabeça de caracóis. Porém a mão continua semi-fechada e o dedo meio dobrado. O rosto move-se em articulação. Parece conselheiro mais de si do que da criança. De repente, a tapeçaria adeja e as cores agitam-se, a criança, menino loiro, mexe-se, quase que cresce e olha dentro, bem dentro do rosto do velho. O sorriso espalha-se brilhante nas bochechas, parece-me. Oh é apenas o vento. O quadro mantém-se imutável na sua vulnerabilidade de tons e reflexos.

Subo de novo o lance das escadas e olho, aqueles rostos, a luz diáfana que bafeja a composição. Essa mesma, vem de fora, em jorro inunda a janela mais a cama e vai deitar-se no chão. Há poças de matiz que molham os botins do velho. Ora pretos ora tijolados. O afastar ligeiro de pernas abre novos matizes. Desta vez nas meias que vestem as pernas, e onde se sobrepõem os calçotes escuros. E o velho abana-se ligeiro. Deitando um olhar enviesado para a alcova. Um momento parado de vida. No remanso do quarto, a vida palpita, em interlúdio de matizes de luz.

E perene a tapeçaria descansa sob o olhar da casa.
Mateso

VIII

Amúo

A minha silhueta beneficiou extraordinariamente com a minha ida ao Spa. A minha pele, então, mostra bem o resultado da exfoliação a que foi sujeita.Tem o aspecto duma pele fina de criança..

Foi pena que não me tivesses acompanhado no ginásio onde tu gostas de exibir os teus dotes de ginasta mas, estavas amuado como um adolescente. E porquê? Porque num momento de distracção, sujei, sem querer, aquela tapeçaria retratando aquelas cenas horrorosas da caça ao javali.

Mas sabes como adoro tomar chocolate ao pequeno almoço e, ao levantar-me do sofá, com a chávena na mão, não consegui afastar-me da mesa e num ápice a chávena salta e vai sujar a”menina dos teus olhos”, oferta do sr. Conselheiro, o exponente máximo da tua pirâmide familiar.

Tens, por vezes, atitutes que não compreendo e naquela manhã que começou linda e radiosa e, em que me sentia extremamente feliz, sentados naquela sala com
vista para o jardim, onde ainda se podiam ver as gotas de orvalho brilharem nas flores, fizeste aquela cena tão triste, tão dramática, tão patética, que cheguei até a pensar que a morte ia aparecer.
Tudo serviu afinal, para mostrar a vulnerabilidade da nossa relação.
Amo-te, quero-te, sou feliz a teu lado mas não suporto os teus amúos nem a tua irritabilidade que estão a ser uma verdadeira obstrução à nossa felicidade.
Benó
IX

O Senhor Conselheiro

-Tenho muita pena…

Palavras ditas do cimo do que eram três degraus.
No alcatrão um carro buzinou para dentro do silêncio que era ela inteira.
Maria Ema.

Silhueta debruada na luz de começo de noite, abraçava entre as mãos as pontas do casaco e uma mala. Figurinha magra, o vestido pendia sobre as botas rasas. Da boina, chegada sobre a testa, soltavam-se pontas lisas de um cabelo ruivo.

- Um cabelo tão vermelho deve ser único no mundo.

Dizia-lhe a mãe penteando-lhe duas tranças.

Maria Ema dissera:

- Sou a filha da Beatriz. Minha mãe morreu. Vim dizer-lhe, como ela me pediu

Maria Ema engasgada em palavras. Palavras de silêncios antigos, atropelando as palavras ditas. Colando-se no céu-da-boca. Entaramelando-lhe a fala.

- Não esqueças de falar ao Senhor Conselheiro.

Assim sua mãe lhe viera pedindo. Assim sua mãe sempre o referira.

-Toma, Maria Ema. Oferta do Senhor Conselheiro.

A boneca que dizia palavras ou o cavalo de baloiço que mal cabia em casa. O quarto delas e a sala de fora.


A mãe muito arranjada revolteando vestidos em frente do espelho, os pés descalços na tapeçaria de veludo velho. Heranças parcas da tia Zulmira morta de uma obstrução. Maria Ema, criança, não entende o nome, e nem que seja ela morta de intestino ou artéria. Sabe que depois deste mistério de palavra, o pão que a tia cozia, e o azeite, faltaram lá em casa.
Isso, Maria Ema sabe.

Ficava, às escondidas, a vê-la. Um afastar para onde nem a mãe lho dizia nem ela perguntava. O casaco comprido a cobrir um vestido, roçava os sapatos de saltos muito altos, vermelhos; tapava as meias de costura certinha sobre a curva torneada de cada perna.

Maria Ema esperava a noite toda. Assim o julgava. Esperava o beijo misturado no cheiro intenso vindo de um lugar silenciado. Lugar de vulnerabilidade, foi como o pensou, mas isso foi mais tarde. Pouco antes de agora que a ouve.

- Vai falar ao Senhor Conselheiro, Maria Ema. Peço-te.

Queria sua mãe dizer: depois. Mas calava o evidente. Calara sempre.

E tossia. Tossia havia muitos meses. Estava pele e osso. Nunca mais vestiu aqueles vestidos. Nunca mais saracoteou defronte do espelho.

Uma noite, e mais uma manhã e outra noite, foi o tempo que passou desde este querer dizer que o fosse avisar.

Depois.
Quando cobrisse o chão de uma massa mole que nem era vermelho, mas uma cor de dentro, um arroxeado, um quase negro. Uma cor de morte.

Que fosse ela, Maria Ema, dizer das quarenta e duas primaveras desfeitas antes de dois de Maio.
Era ainda Abril e era manhã cedo.

O orvalho cobria de frio a buganvília. Um frio fora de tempo.

-Tenho muita pena, repetiu o Conselheiro.

Maria Ema olhando-lhe o bigode de um ruivo quase vermelho. Duas metades de pelos retorcidos.
As mãos apertavam as pontas do casaco.

Maria Ema no degrau de pedra, dois degraus abaixo, a deixar que lhe crescesse o desprezo como um número elevado a enorme exponente.
E o Senhor Conselheiro repetindo:

-Tenho muita pena

MCorreia
X
Em obstrução ao silêncio de cada lágrima no orvalho da manhã, a silhueta do eremita surge exponente de grandeza, a afastar com pena leve a vulnerabilidade de cada um de nós.
Como quem conduz uma CRIANÇA pela mão, ele pega no fio e constrói a tapeçaria deste sonho bonito.
Um eremita é bom conselheiro na fuga à morte da alma.
Jawaa

3º Jogo das 12 Palavras - 2ª parte







XI
FANTASIA


Sentou-se na cadeira junto da secretária onde tinha o computador e ali se manteve, calada, indiferente à luz da manhã que atravessava devagarinho a vidraça da janela da sala. O sono pesava-lhe no corpo, por causa da noite mal dormida. Desde a véspera que aquela preocupação lhe bailava na cabeça, uma espécie de obstrução no fluir habitual do seu pensamento. Olhou distraidamente em redor, como se nada lhe prendesse a atenção, mas acabou por se deter na tapeçaria pendurada na parede à sua frente. Fixou-a durante alguns minutos. Para o que lhe havia de dar, àquele eremita, lá no seu eremitério… Inventar um jogo destes! Uma espécie de tapeçaria bordada com as palavras de muita gente… Como é que eu vou encaixar, num texto meu, 12 palavras previamente escolhidas por outras pessoas? Nem sequer há um esboço do desenho… Bom, o melhor é deixar-me de perguntas e meter mãos à obra…

Levantou a tampa do computador e carregou na tecla para o ligar. Aguardou os minutos do costume até entrar no mail. Lá estavam elas, pousadas sobre o branco da folha virtual, todas direitinhas e bem numeradas de alto a baixo, cada uma envolta no silêncio de si mesma. Releu-as uma vez mais. Voltou atrás e repetiu a palavra exponente em voz baixa. Pois, bem sabia que se queria fosse um jogo divertido e criativo, mas como conseguir tal proeza com palavras como esta? Quem se teria lembrado dela? Como encaixá-la no meio das outras, aparentemente tão harmoniosas entre si? Orvalho, ou pena, levavam a imaginação a compor textos românticos de amores e desgostos, mas esta só lhe lembrava tribunais e um juiz conselheiro de toga e ar sério a ponderar causas expostas por advogados de defesa a discorrer sobre factos e a afastar, ou tentar justificar, as culpabilidades dos seus clientes. As conhecidas vulnerabilidades do ser humano postas à vista na barra do tribunal, os seus actos escrutinados ao pormenor na lista infindável de alegações e de testemunhas apresentadas.

Voltou à lista de palavras propostas para o jogo e quase entrou em desespero de morte. Apetecia-lhe fazer com elas o que uma certa criança que muito bem conhecia costumava fazer com os brinquedos quando se zangava… Seria engraçado imitar o tal menino e atirá-las também ao ar como se fossem brinquedos, e vê-las cair, sem regras gramaticais, à toa, de cada vez em seu sítio. No meio de uma frase ou isoladas ao canto da página, acompanhadas ou não de vírgulas, pontos, ou outros sinais de pontuação, e atrapalhar quem as lesse depois naquela confusão. E que tal escrever as vogais e as consoantes de uma palavra em ordem inversa, como por exemplo ateuhlis em vez de silhueta, deixando os leitores a congeminar histórias de ateus e religiões?
Riu-se a imaginar o alvoroço. A seguir desligou o computador, levantou-se, e saiu da sala. Mais tarde decidiria o que fazer.
M

XII

A criança pela manhã corria
Alheia a qualquer obstrução
Rumo àquela profunda alegria
Que lhe inundaria seu coração

Sua silhueta era liberdade
Ao afastar o orvalho matinal
Indiferente à vulnerabilidade
Em demanda do Santo Graal

Seu conselheiro interior
Em voz baixa lhe murmurava:
A morte é uma tapeçaria
Que, com a vida, nunca acaba

A alegria por fim a si chegou
Exponente duma eterna cena
O seu gatinho por fim alcançou
Entregue ao momento. Sem pena!
José António

XIII

A morte é o exponente
De uma vida bem vivida:
A criança de repente
Tornou-se um homem diferente
E viveu toda uma vida...

Ao morrer, viu perpassar
Como uma tapeçaria,
Tudo o que fez rir ou chorar,
A pena, a dor e a alegria...

Veloz e em silhueta
Viu da vida todos os contornos...
Sentiu a vulnerabilidade
De se afastar dos seus sonhos
E de tudo o que conhecia...

Sentia que perdia
Da vida o alento
E, em dado momento,
Desejou um conselheiro
Que ajudasse a passar
Este momento primeiro
Do outro lado do olhar...

Ultrapassando a obstrução
Criada pelo seu passado,
Abrindo o seu coração
Ao que lhe reserva o fado,
Descobre que cedo chega
Ao outro lado da manhã,
Onde reluz o orvalho
E nenhuma prece é vã.

E com essa confiança
Recupera a criança
Que em tempos foi, e avança
Em direcção à Liberdade
E à Terra da Verdade.
ISABEL

XIV

Quero

Quero recomeçar de novo, quero voltar a ser criança,
Quero afastar de mim a marcha inevitável até à morte.

Quero voltar a escrever pela primeira vez o meu nome nos cadernos escolares,
Quero voltar a fazer mil tropelias elevadas a um qualquer expoenente matemático.
O tempo é um bom conselheiro, dizem eles,
Mas a mim faz-me sentir como uma qualquer tapeçaria velha,
Faz-me sentir o significado da palavra vulnerabilidade,
Faz-me sentir que sou apenas uma silhueta daquilo que já fui.

Quero sentir-me de novo leve como uma pena,
Correr mais veloz que o vento,
Sem qualquer obstrução ditada pela idade.

Não quero desaparecer como o orvalho matinal,
Apenas quero durar um pouco mais...
Apenas...
Até amanhã de manhã...
Mac

XV
Ao filho morto

Manhã. A morte, exponente de fraqueza, chegou cedo, como uma obstrução. Meu filho era criança ainda. Mais: parecia uma silhueta de orvalho. Agora, olho seu corpo e choro.
Na tapeçaria da vida, o fio que nos compõe às vezes se rompe. Dizem que o tempo, sempre um bom conselheiro, reunirá de novo as pontas a ponto de nos esquecermos da dor, da pena. Dizem. Mas ao ver meu filho morto, tenho certeza que será impossível afastar de mim a vulnerabilidade que passou a ser minha vida e minha fé.
Rubens da Cunha

XVI

Despedida

Luís Abreu, o sr.Conselheiro, como ainda era conhecido, naquela fria manhã de Fevereiro, sentou-se à sua velha secretária e olhou pela janela através da qual ainda podia ver as gotas de orvalho a brilhar sobre a relva do jardim. Por trás de si, na parede, encontrava-se pendurada aquela tapeçaria com cenas de caça do século passado, oferta dos seus mais directos colaboradores.
Afastou a foto do seu filho mais velho, ainda criança, tirada exactamente no dia do seu segundo aniversário, pegou na caneta de tinta permanente com aparo de ouro, oferta de Inês, a sua companheira de muitos anos mas que, infelizmente, já estava à sua espera na terra donde não há regresso e, começou a rabiscar o que viria a ser uma carta, uma carta de despedida mas de aconselhamento, também.
Ainda era considerado o exponente máximo na L.A, empresa que dirigia sabiamente já ia para duas dezenas de anos, mas, queria afastar-se, pois pouco tempo de vida já lhe restava; segundo a opinião médica a morte estava perto e Luís Abreu queria ter ainda tempo para fazer algumas recomendações ao seu filho que iria dar continuidade ao seu trabalho.
A vulnerabilidade da sua saúde estava a tornar-se numa obstrução às tomadas de decisão que eram precisas para o bom andamento da L.A.
Embora ainda conservasse uma elegante silhueta, o coração estava rápida e constantemente a lembrar-lhe que a hora da partida estava perto. Naquele momento e sem saber porquê, veio-lhe à memória aquele poema de Camões:
Perdigão perdeu a pena
Não há mal que lhe não venha”

Beno

XVII
Sei que tens o vento por conselheiro.
Mas vês a morte como exponente maior.
Imaginas uma silhueta fantasma, que se vem interpor entre o teu ontem e o teu amanhã.
Tenho pena dessa vulnerabilidade, que vai sendo uma obstrução àquilo que te deveria preencher totalmente.
No entanto, algo te diz que ainda estás muito a tempo de afastar todo esse orvalho que te salpica, de modo a percorrer, sem freio, toda a imensa tapeçaria que tens pela frente.
Faz isso!
É o vento que te sussurra que ainda agora é manhã e que o sol mal começou a ensaiar os seus primeiros passos de criança. Não fujas de o escutar mais uma vez!
Fa Menor
XVIII

Sou hoje a voz exponente da manhã que ousa o rumor de silhuetas amáveis na floresta dos gestos ávidos. Orvalho-te contra o cerco da vulnerabilidade da morte. E o meu coração é criança cheia de estrondos e plumas a afastar a renda/tapeçaria do grito majestoso. Terno e precário. Conselheiro último da trama dos dias que não resume nem a pena nem o pó. Antes a rigorosa obstrução que me afasta da claridade. Sendo alma. Líquido exponencial do abstracto. I.M.F

XIX
A morte da infância

Lembrava-se daquela manhã marcada na lonjura da infância. Desejava afastar a recordação mas sabia que voltaria, recorrente como a sensação de vulnerabilidade que lhe deixava. Ainda sentia o pisar suave da tapeçaria da sala dos avós. Parecia abafar a vida, afastar a possibilidade de um grito. Um grito, sequer. Sentia a morte rondar por ali. Não era a morte a ausência da vida? Tão criança era, e já lhe sentia o arrepio. Mas naquela manhã era pior. Quis correr para o quarto do avô. Homem rude, nunca lhe tinha demonstrado grande afecto, mas nem por isso deixava de ser o seu melhor conselheiro. Uma espécie de exponente da sua formação, alguém que lhe abria as portas do mundo dos adultos, confuso e traumático. Ou talvez apenas causador de pena. Dava-lhe segurança avistar a silhueta já curvada em contra-luz na janela do quarto. Mas não naquela manhã de orvalho gelado. Um nó na garganta não o deixava respirar, como se ali fosse ficar em permanente obstrução. Entendeu, sem que ninguém lhe dissesse, que o vulto do avô seria, daí em diante, apenas uma lembrança. E o seu choro silencioso ecoou como o grito que nunca lhe tinham permitido dar, naquela sala.
Vida de Vidro
XX
Antes de me deitar, peguei num lápis para desenhar numa folha de papel a cara de uma criança que me tinha impressionado, tinha-a visto numa tapeçaria que estava pendurada, no corredor da casa do velho Conselheiro e que tinha estampada na cara inocente um ar de vulnerabilidade aflitivo. Que pena senti daquela pobre criança!
Pela manhã e para afastar essa má impressão, que me fez passar uma noite mal dormida, fui passear pelos belos jardins circundantes onde o orvalho se via nos relvados, nos canteiros floridos e coloridos e de onde inalavam odores doces, de uma beleza … do outro lado vi a silhueta de uma estátua de mulher cujo exponente era gritante e parece ter pertencido a alguém cuja morte até aos dias de hoje era desconhecida a sua causa, graças à obstrução de provas e falsos testemunhos dos intervenientes que viveram lá pelo século XVII, de acordo com a lenda que se conta por aquelas paragens.
Mais um fim-de-semana bucólico e sereno se passou numa das muitas casas apalaçadas que temos por esse País fora e que são salvas pelo turismo de habitação para a sua preservação.
E agora, retomemos a rotina e a realidade…
mj

XXI

É amena a hora e o tempo casto.

Na flor, o orvalho da manhã
estende-se em planos
indeléveis, indefinidos, breves,
qual pena em mão de criança
que do sonho nada teme.

E, sorrindo à brisa, se balança
indiferente ao conselheiro sem idade -
Exponente pluriforme da morte -
em incauta obstrução à vulnerabilidade.

É amena a hora e o tempo casto.
Da silhueta ténue da rosa-menina
urge afastar densos passos
sobrepostos na tapeçaria da vida.
Amita

3º Jogo das 12 Palavras - 3ª parte





XXII

todas as manhãs, Leonardo percorre os campos, com a vulnerabilidade de uma criança, para recolher gotas de puro orvalho. no aconchego da casa, Leonor observa-lhe a silhueta ágil, leve como uma pena, enquanto os primeiros raios de sol despertam a colorida tapeçaria que cobre a terra. Leonardo é o conselheiro da aldeia, o exponente máximo de uma sabedoria ancestral, o único alquimista capaz de afastar a sombra antecipada da morte e de remover qualquer obstrução ao fluir da vida. o amor de Leonor é o seu ingrediente secreto.

XXIII

Na última semana a chuva não parou de cair! Os rios rasgaram as margens, as lamas invadiram o pequeno povoado, pronuncio de morte que há muito não se fazia sentir naquele lugar de gente humilde...
A obstrução dos caminhos era total...Assim anoiteceu!
Horas agitadas pela incerteza, entre o ribombar dos trovões e as bátegas de água que continuavam a fazer-se sentir, aos poucos tomei o sono por conselheiro e ao acordar tinha tomado a difícil resolução de deixar aquele lugar que me viu nascer, rumar a outras paragens, partir para sempre!!!
A manhã chegou a medo, cinzenta, com a vegetação coberta de orvalho.
Por entre as nuvens, vislumbravam-se de quando em vez alguns raios de sol que ajudaram a afastar a nostalgia dos dias
em que o mau tempo trouxe á flor da pele a nossa vulnerabilidade!
Na inconstância do tempo, enquanto tentava avaliar os estragos, deparei-me com um campo de papoilas que mais se assemelhava a tela ou tapeçaria, ai virei criança, corpo de menina feito mulher, silhueta frenética numa dança, exponente máximo da minha alegria, e que me propicia momentos únicos e cujos seria uma pena não eternizar!
Mãos á obra, mudei o rumo da decisão, tomei as rédeas da reconstrução que sendo lenta e espinhosa, logo logo, daquele amontoado de destroços renasceria o meu mundo, lugar sagrado que me viu nascer, e onde queria continuar...


XXIV

De todos os canais, este


Talvez seja este o mais belo. Depende apenas do meu olhar.
E eu vejo, porque quero ver, na manhã em começo lento, a silhueta de um barco rompendo silenciosamente as águas, trazendo até mim a vulnerabilidade de uma figura masculina franzina e alta, que o vento, bom conselheiro, obrigou a embrulhar num agasalho quente e que, antes de se afastar da minha visão, me ofereceu um sorriso primaveril e puro.
Vejo ainda sobre o canal um dossel de árvores, renda de ramos vestidos de folhas apenas nascidas, que se entrelaçam numa leve e ineficaz obstrução ao reflexo do sol na superfície das águas. E que aí se redesenham, numa tapeçaria insegura e subtil.
E vejo por fim, encostada à margem, uma ave-criança inexperiente e desconhecedora, que a morte aprisionou ao tentar rever-se no espelho das águas. Viva parece ter ficado apenas uma pena, coberta de pequenos diamantes de orvalho cintilantes ao sol, sinal único de que a ave ainda há pouco voava.
De todos os canais, este: montra exponente do discreto jardim das minhas emoções.


XXV

Aqueles olhos enrugados não mais possuíam o brilho da juventude. Falava de si, como falava de uma planta morta, que o tempo levou. Naquela manhã tudo era intenso demais para afastar a dor. Havia um temor e um desejo, lutando ambos, pelo orvalho da vida. Seu maior conselheiro era o óculos, que a fazia companhia quando sua visão lhe faltava. Mas, até mesmo ele, estava jogado em cima da escrivaninha, fechado, triste. Aquela menina, com olhos de criança, não tinha esperança de vê-la mais. Sabia que, ao cruzar a tapeçaria principal do quarto decorado para uma idosa doente, selaria o último contato daqueles corpos. Pena brotava de seu coração, porém sabia que a morte chegava por ter sido chamada com insistência. Ela perdera o jogo quando desistiu de viver.

Chegava o médico para os recursos finais. Lutara na sua profissão para reanimar pessoas. Mas, e no casa dela? O que haveria de fazer? A obstrução de sua morte era passar por cima do direito de vida e morte, que todos temos quando nascemos. E ela era a exponente de quem mais do que queria mor "Aqueles olhos enrugados não mais possuíam o brilho da juventude. Falava de si, como falava de uma planta morta, que o tempo levou. Naquela manhã tudo era intenso demais para afastar a dor. Havia um temor e um desejo, lutando ambos, pelo orvalho da vida. Seu maior conselheiro era o óculos*, que a fazia companhia quando sua visão lhe faltava. Mas, até mesmo ele, estava jogado em cima da escrivaninha, fechado, triste. Aquela menina, com olhos de criança, não tinha esperança de vê-la mais. Sabia que, ao cruzar a tapeçaria principal do quarto decorado para uma idosa doente, selaria o último contato daqueles corpos. Pena brotava de seu coração, porém sabia que a morte chegava por ter sido chamada com insistência. Ela perdera o jogo quando desistiu de viver.

Chegava o médico para os recursos finais. Lutara na sua profissão para reanimar pessoas. Mas, e no casa dela? O que haveria de fazer? A obstrução de sua morte era passar por cima do direito de vida e morte, que todos temos quando nascemos. E ela era a exponente de quem mais do que queria morrer - precisava. Temia adiar esse encontro com Deus, temia por saber que desistiu de sua missão há alguns anos e sua depressão era o suicídio da alma. O médico, ali, na sua vulnerabilidade profissional não pôde fazê-la resistir. Compreendendo seu pedido desesperado, lançou o último olhar a sua silhueta, colocou a mão no coração e, em silêncio, partiu, deixando aquele óbito, e um desejo realizado.

*No Brasil pode usar-se quer o singular quer o plural


XXVI


O orvalho da manhã prolongava-se até ao meio-dia como se quisesse entranhar o frio pelos sentidos adentro, teimando em lembrar a morte que tanto queria esquecer. A morte do maior amor. O dela. O deles. A vulnerabilidade agora marcada para sempre era o seu maior ponto fraco, imiscuído no meio da suposta aparência altiva e forte que teimava orgulhosamente em manter como exponente máximo enquanto esperava pacientemente que o tempo se encarregasse de fazer o seu papel. Sim, o tempo seria o seu maior conselheiro, ela sabia-o mais do que ninguém. Entretanto, a lembrança representava apenas uma obstrução à felicidade que sempre tentara conquistar. Sabia que tinha de tomar a decisão final. Sabia que tinha de se afastar do mundo por um tempo mesmo que não a compreendessem. Sabia que tinha de sofrer, de rastejar até ao âmago da humildade e reencontrar as coisas com o espírito de uma criança. E decidiu. Seria qualquer coisa menos sentir pena dela própria. Marcou a viagem sem data de regresso e partiu em direcção ao oriente na esperança de encontrar paz interior no meio de um povo espiritual. Nunca mais voltou. Desaparecera sem deixar rasto, em breve seria esquecida, como era o seu desejo.
________________________________


Algures no Tibete, a bela SILHUETA de uma mulher em trajes típicos caminhava alegre e sorridente pelo mercado, no meio dos tibetanos que a acarinhavam solenemente. Aparecera um dia do nada, instalara-se solitária na cabana junto ao sopé da montanha e conquistou o coração dos que a rodeavam, sobretudo das crianças. De cesta no braço, saltitava entre as bancadas dos feirantes deixando-se rodear pelos pequenos que a desafiavam para pequenas corridas, sob o olhar sorridente de uma artesã que no chão bordavas tapeçarias, o seu sustento e dos seus sete filhos.
XXVII

Uma manhã para ti …

Eu queria nascer manhã, só para ti, meu amor,
Roubada às entranhas mais quentes da Terra,
Com a suavidade de uma pena, solta nos ventos de uma serra.
Queria inventar, só para ti,
Uma manhã de cintilante brilho e cor,
E acordar-te com beijos e afectos, molhando no orvalho
Da minha noite de maresia, o teu corpo quente
Contra a silhueta fria da minha nostalgia, por te ter ausente.
Queria nascer manhã para ti, mas sem coração,
Sair da condição de vulnerabilidade
Em que carrego todas as faces da saudade,
Por os meus dedos não se cruzarem entre a tua mão.
Queria afastar a noite na sua exponente solidão,
E nascer criança numa manhã de esperança,
Inventada num mundo de magia, bordado a tapeçaria
De linho, lua, luz, brilho e muita fantasia.
Porém na obstrução que o meu amor alcança
Morro cada dia uma morte dolorosamente mansa.
Como inventar uma manhã para ti, nascida de um amor tão verdadeiro?
Pergunto à Lua,
Ao Sol,
Mas, nem mesmo o mar que sempre amei,
Quer ser meu conselheiro
Maria

XXVIII
Fiz tudo o que era humanamente possível para afastar a tua presença nos meus pensamentos.
Refiz tudo o que era poeticamente impossível para exumar a palavra morte no combate do silêncio.
Por um triz escapei aos teus desejos que são as minhas vulnerabilidades no espelho reflectidas.
Não quis ser este ser em mim quase gravemente de saúde em greve de ser criança.
Fiz tudo o que era violentamente fraternal para superar a docilidade com que me espancas os lábios.
Fiz e faço um pouco de mim e um tudo de ti.
Fiz e faço um refogado de palavras bem temperadas prontas a ferir os olhares desprevenidos e floreados.
Não vim para te entregar flores nem palavras bonitinhas. Vim e fiz tudo para te entregar o meu coração!!
Não tenho pena. Sim, Não tenho pena. Mas escrevo ainda assim, corajosamente contra a maré.
Contra mim e contra as paredes desfeitas em tapeçaria. Escrevo nas paredes do meu quarto. Eles não sabem ler mas ouvem os murmúrios que te recusas a amparar. Fiz nada do que quis. Exponente querer solitário de ser uma multidão incontente. Silhueta dos teus poemas vitoriosos sobre a atmosfera subterrânea de verbos não feridos. Sim!! Fiz amor com as palavras, confesso!! Fiz amor com as palavras!!
Confesso que expulsei o conselheiro sonâmbulo do teu dia-a-dia e me fiz Homem.
Cheguei ao término descalço, é noite, o orvalho me despe as sílabas que se querem doces e meigas, dentro de mim, é manhã, o sol vai despertar a luz ao fundo de ti e rebuscar-te novamente acesa num festival de doçura.
Fiz tudo o que era poeticamente possível para te resgatar e blindar a obstrução dos poemas que te dedico com o coração aberto, em leveza e brandura. Confesso, fiz amor com as palavras, confesso, fiz amor!!
Edu

XXIX

O filho

Olhou a criança e sorriu.

Era ousada, confiante, sem vulnerabilidades.
Não admitia qualquer obstrução, desconhecia o sentido, melhor, a existência do medo, mas não de forma inconsciente.

Inquiria e ponderava, elaborando um plano para a acção, como se escutando a voz de um conselheiro que lhe indicasse o caminho. A melhor forma de agir.

Aquela criança era, para ele, suave orvalho sobre sequiosa terra, bálsamo de seus dias após a morte da mulher e da filha e com um simples balbuciar conseguia afastar toda a tristeza e dor.

Recordou o dia em que se decidiu pela adopção e se apresentou nos respectivos serviços como exponente aguerrido, determinado e seguro do seu direito, enquanto homem só, viúvo, a adoptar uma criança
Qualquer criança. Sem imposição de critérios ou exigências.

Lembrou o dia em que foi ao sótão buscar a tapeçaria que Isabel fizera para o quarto da filha.
Nela incorporara todos os seres, mitológicos e virtuais, os de contos, filmes e desenhos da própria e da predilecção de Maria Teresa.
Usara materiais vários que ambas recolhiam nos passeios pelos jardins e praias, desde folhas, vidros coloridos, penas…Tudo o que de belo encontravam e as fascinava…
No estilo naiff, a tapeçaria era belíssima e cheia de magia.

Há muito saíra da parede da cabeceira de Maria Teresa e fora arrumada no sótão.

Enquanto olha João brincando, afoito no mar, recorda a manhã em que a foi buscar para redecorar o quarto da sua ou seu futuro filho. Lembra-se de na altura haver pensado que seria um óptimo elemento decorativo porque fora tecida com amor.
Estava impregnada de amor e irradiava-o.
Seria um bom acolhimento para a criança que aí vinha.

Saltando entre a rebentação João chamou-o.
- Pai…anda cá paiiii….
Levantou-se sorrindo e foi ao seu encontro. João, com a sua voz de criança, mas com uma segurança invulgar para a idade, disse:
- Pára! Pára aí pai!
Parou, curioso.
João veio ter com ele. Andou em círculos, ao seu redor, calado e muito atento. Depois agarrou-lhe as mãos, ordenando-lhe que rodasse num determinado sentido e, súbito disse, com voz de comando:
- Está bom pai. Fica quietinho.

Viu-o baixar-se e, com um seixo que trouxera da rebentação, começar a desenhar o contorno da sombra, um pouco alongada pela luz do sol ao encontrar o obstáculo de matéria que o constituía, deixando no areal uma silhueta distendida.
Sorriu.
Perguntou-lhe:
- João, como queres que coloque os braços?

Amla

XXX
Sem dedicatória


Carlos Sobreda deambulava pelo Chiado abstraindo-se da modernidade que o rodeava. Mas a Brasileira, onde parou para um café, não perdera a dignidade característica dos outros tempos. Porém, sentado cá fora, estava um Pessoa que não podia desmultiplicar-se a não ser nas fotografias dos turistas e que lhe lembrava um homem estátua que vira em Paris. Olhou de soslaio para aquele Pessoa, esperando no seu íntimo, que este se levantasse e partisse.
A manhã nascera de uma neblina invernosa mas tornara-se soalheira, e a sua silhueta desenhava-se na calçada com perfeição matemática, acompanhando-o sem a delicadeza de um pedido. Para Carlos Sobreda aquela duplicidade imposta zombava do domínio quase perfeito que tinha sobre tudo que lhe dizia respeito.
Ao passar pela Bertrand deteve-se a contemplar a montra e os livros que estavam expostos. Tinha esse hábito desde criança. Não conseguia passar por uma livraria sem ficar hipnotizado por ela.
No entanto, os acontecimentos do dia anterior não o abandonavam. Desta vez voltara a Lisboa para um último adeus. Tinha ido ao enterro de um velho e grande amigo, Luís Antunes. Desempenhara o papel de "conselheiro particular" de Luís ao longo dos anos, mesmo de longe, porque afinal era advogado e o outro, mais dado às artes, saltitava entre a pintura e a escrita conforme os humores - ainda que nunca tivesse chegado a exponente máximo nem numa coisa nem noutra. Ingénuo, quase acabara a experimentar alguns amargos de boca quando resolvera enfiar-se de cabeça num negócio de tapeçarias sem sequer pedir opinião a Carlos. Não que este, como advogado percebesse de tapeçarias, mas tinha olho para afastar os incautos dos caminhos inseguros em matérias de ordem prática.
Carlos Sobreda entrou na Bertrand a reflectir sobre a vulnerabilidade do ser humano, sabendo que não havia obstrução jurídica nem pena máxima a aplicar a quem administrava o destino de forma tão invisível. Ali estava ele a escolher um livro enquanto as coroas de flores que enfeitavam a morte de Luís certamente se haviam enchido de gotas de orvalho que disputavam pétalas que também acabariam por fenecer.
Concentrou-se nas estantes da livraria. Percorreu-as devagar e desta vez não lhe foi difícil encontrar o que queria. "Conversas entre Lisboa e Paris" de Luís Antunes. O único livro que o amigo nunca chegaria a entregar-lhe em mão.

Raquel

XXXI

Mais um fim-de-semana a caminho e já só pensava na viagem que faria na manhã seguinte. Desde que tinha comprado aquela casinha no Norte de Africa sentia a vida ganhar um novo sentido.
Agradava-lhe a ideia de ter casa noutro continente e agradava-lhe ainda mais, o ser possível sair daquele cantinho lusitano sentindo a frescura do orvalho matinal e chegar a tempo de ver o astro rei descer sobre as areias escaldantes do deserto.
Tinham sido tempos turbulentos aqueles últimos. A morte da criança que tanto amava, tinha exposto toda a sua vulnerabilidade. O sofrimento tornara-a numa silhueta de si mesma.
Um dia, acordou com uma sensação estranha dentro do peito, era como se um sol radioso e quente a impelisse para fora daquela inércia.
Não, basta, de uma vez por todas queria afastar o sentimento de pena que via no olhar das pessoas à sua volta.
Foi como se a força interior que inexplicavelmente sentia, atingisse o seu exponente máximo estilhaçando aquela obstrução na sua vida.
Agora era a hora de recuperar o tempo perdido. Amanhã quando chegar, terá a certeza de encontrar, por entre tapeçarias coloridas e aromas a chá de menta, o anjo que perdeu.
E estará lá. No sorriso daquelas crianças que a esperam a quem decidiu dar uma oportunidade de vida.
Afinal o recolhimento por que passara tinha sido um bom conselheiro...
Micas

XXXII

Afastar

A manhã passou em vão. Há pouco senti um orvalho que me trouxe até mim. Sinto-me estranha, sou eu e, ao mesmo tempo, é uma parte de mim que tomou conta do meu corpo e da minha alma. Talvez seja uma vulnerabilidade, ou várias ao mesmo tempo, mas não sinto fraqueza, nem o contrário. Gostaria de explicar por letras, sensações assim. Sou capaz de me afastar de tudo, ou então apenas de mim. Acontecem-me situações em que não observo apenas, mas participo. Há uma obstrução na linha do desconhecido para o sorridente que não conheci, mas com quem contactei. A vida é como uma tapeçaria que vamos fazendo com retalhos de vivências. Algumas são elaboradas com tecidos diversos, outras são sempre da mesma cor. Gosto de espreitar pela janela do comboio e ver como tudo parece um filme à medida que ele avança. Diante dos meus olhos, reflecte-se uma silhueta no vidro e sonho um pouco com aquilo que sinto por alguém... Lembro-me do meu lado conselheiro e do meu lado criança. Tenho pena de tornar exponente um sentimento especial sem uma luta maior, mas a sua morte será inevitável.
Eli

XXXIII
CEM PALAVRAS

Há cerca de dez anos e até um pouco antes, o jornal DN, publicado de manhã, tinha um passatempo denominado Cem Palavras. Dado o tema, teríamos que escrever o texto em exactamente cem palavras. Tenho pena que nunca mais repetissem. Hoje, quase no fim do prazo para compor doze palavras, quero afastar o receio de perder o norte e nada escrever. (Voltei aqui pois a palavra morte e não norte...) Não, não é brincadeira de criança (se é, trata-se da meninice de um velho). O sono é bom conselheiro e ditou-me que, face à obstrução de ideias, só havia uma coisa a fazer: não desistir. Feita a tapeçariasde letras, que numa silhueta singela, se vão acomodando, resta-me dizer-vos que as palavras em falta, e são três, dão pelo nome de exponente, orvalho e vulnerabilidade. Batota na redação (ou redacção?)? Acreditem que não.
Zé Viajante

XXXIV

É na vulnerabilidade da tua pele

Que afago tapeçarias suaves
E traço a silhueta da luxúria
Com uma pena de sonho permanente.

É no orvalho do desejo derramado,
Sem a obstrução de juízos adormecidos,
Que da morte nos acordamos acesos
Quando a inflamada manhã nos sorri.

És o exponente da minha fraqueza,
És criança e mulher de raiz no teu sol,
Onde me aqueço e me entronco mais forte.

O teu ar é o conselheiro que me atrai
Para te afastar de memórias a gritar
Nas brumas que te matam em silêncio.
Nilson Barcelli

E com 32 participantes e 34 - trinta e quatro belíssimos e ricos -textos, por si e na diversidade de olhares e de estrutura, completamos a 3ª edição do nosso Jogo das 12 Palavras


Boa leitura.

sábado, maio 17, 2008

Imitação de poesia

I

olhas-me. o sangue acelera.

teus olhos de avelã e mel
fitam-me inquisitivos.

desvendas meu ser.

nas veias o sangue acelera
e o rubor tinge-me.

a vergonha de criança de volta.

com mãos titubeantes procuro
a máscara.

seguro-a entre os dedos
estendo-lhe as pernas
e coloco-a.

por detrás dos óculos de sol
deixo a vergonha tingir-me.

intocável agora.

terça-feira, maio 13, 2008

uma muito "doce" surpresa de uma nova participante

Uma nova participante que já enviou um texto para o 3º Jogo das 12 Palavras - neste momento estão por aqui, aguardando o dia da postagem, 28 belos e diferentes tipos de textos escritos a partir das mesmas 12 palavras.
Ontem fez-me a grata surpresa de me enviar um texto feito com as plavras do nosso 2º Jogo.
Solicitei-lhe autorização para o postar, seguro que estou que, tal como eu, se deliciarão com este "doce" que inesperadamente nos é ofertado numa serenidade que me parece muito própria da blogger pelas visitas que faço ao seu LUGAR DA PAZ.
o.-o.-o.-o.-o
Francisco sobe as escadas sozinho pela primeira vez, degrau a degrau, ansioso por entregar a caixa de chocolates. entra em casa de rompante e senta-se ao colo da avó sem pedir licença. curioso da reacção. o sorriso da avó Matilde é envolvente e o seu abraço cheira a flores do campo. neste enlevo, o sol segue viagem pela linha do horizonte e a sombra, ainda ténue, da noite espreguiça-se pela casa. chega o riso para alumiar a vida.

segunda-feira, maio 12, 2008

memes - da desafiadora(raquel) às e aos desafiados



Quem não souber do desafio pode ver no post abaixo o desafio deixado pela Raquel e as novas desafiadas a..."valsar" elaborando um meme.

quinta-feira, maio 08, 2008

resposta a um desafio e ...as minhas "Suavidades"

A minha resposta ao desafio da Raquel:
Com 6 palavras criar um "meme" “A nossa biografia/memórias em apenas seis palavras”

O que nos é pedido:
. Com seis palavras escrever uma "muito curta" biografia ou conceito.
. Podemos dar-lhes ênfase com uma imagem.
O que devemos também fazer:
1. Colocar um link para o/a desafiador/a;
2. Desafiar cinco blogues;
3. Deixar-lhes aviso para “valsarem”.

Convido para abrir o baile com nova "valsa":
1 - Loucuras da Dair
2 - Eu Estou Aki
3 - aArtmus
4 - Atelier da Benó
5 - Repensando

Maestro, que comece o baile!

E aqui um slide-show sobre as hipóteses de "suavidades" que me fizeram hesitar entre uma delas no Palavra Puxa Palavra

segunda-feira, maio 05, 2008

há coisas muito bonitas na vida

Esta delícia de bicicleta que parece saída de um sonho de Fadas foi ofertada a este blogue pela amiga Maria. Essa Maria que visita Esther no seu Reino.


Com esta bicicleta tenho a responsabilidade de cada vez mais viajar , com plena liberdade individual, mental e ética, pelos espaços da solidariedade na blogosfera.

À Maria só tenho que agradecer a generosidade que a faz ver em mim essa capacidade, ou capacidades. Espero fazer jus a seu olhar.

Tenho que passar esta bicicleta mágica a cinco outos blogger's/blogues, mas antes, a quem aqui chegou agora e desconhece o nosso desafio-jogo-lúdico das 12 Palavras, aconselho a ler os belos textos de cerca de 30 participantes, aqui e, a 2ª parte deste nosso 2º Jogo, acolá.
Se gostaste e quiseres ler os textos do 1º Jogo das 12 Palavras vai descendo nas postagens e estou certo terás agradável surpresa.

Agora passo uma desta mágicas bicicletas a cinco amigos da blogosfera:

- Janela do Ocaso
- A Páginas Tantas
- Chuviscos
- Lugar de Paz *
- Auxiliar de Memória

* Este blogue é, verdadeiramente, um espaço de paz e em cada post há uma mensagem ou outro ensinamento que ajuda no nosso crescimento integral. Vale a pena conhecer e visitar apesar de a proprietária não ter comentários, pois é outra a lógica.Vale a pena visitar regularmente.

sábado, maio 03, 2008

resposta ao desafio da Raquel


E porque o mundo "(...) é uma bola que rebola..." e a vida não pára, a Raquel desafiou-me e eu que gosto de viver o lado lúdico e simples da vida aqui respondo:
FAMÍLIA: Amor, aconchego e memórias
HOMEM: animal que pensa que o não é
MULHER: ser que faz emergir o melhor do homem - excepcionalmente, para confirmar a regra, o contrário é verdadeiro
SORRISO: rosto iluminado
PERFUME: o dos corpos amados (não só no plano romântico)
CARRO: qualquer. Desde que ande e não dê chatices
PAIXÃO: A vida, os que amamos e o mundo/planeta na sua riqueza e heterogeneidade
AMOR: o da infância, que nos fica para sempre. Felizes dos que o tiveram.
OLHOS: os que nos olham com amor. Quaisquer com expressão de amor e respeito entre iguais. Mas não há como o dos filhos, netos…os das crianças
SAL: lágrimas das mães
CHUVA: águas dos céus. Antes pura. Agora…?
MAR: uma paixão. Limpeza da alma.
LIVRO: Memórias de Adriano – Margueritte Y
FILMES: um que vimos com os filhos e nos deliciou. Entretanto desapareceu: “O gato que veio do espaço”
MUSICAS: a dos ventos e do arvoredo e a dos mares
DINHEIRO: bem escasso. Aumenta a pseudo-diferença entre as pessoas
SILÊNCIO: espaço de encontro(s) interiores
SOLIDÃO: indiferença e não re-conhecimento. O “outro” como um ser inexistente a não ser que seja “útil”
FLOR: as que brotam nos campos, na primavera - a papoila
SONHOS: conseguir ser uma pessoa melhor a cada dia
CIDADE: Continuo a amar Lisboa. Mas qualquer uma. Há tanta beleza na variedade e diferença
PAÍS: apesar de continuar a parecer uma antecâmara para o purgatório, ou inferno católico - Portugal
NÃO VIVER SEM: confiar nas pessoas, respeitar e apreciar as diferenças. TODAS.
NUNCA DEIXAR DE SER: Frontal, amigo, um ser igual a todos os outros; verdadeiro e honesto
QUALIDADES: aquilo que não quero deixar de ser
DEFEITOS: a frontalidade pode ser um - para os “outros”. Ademais são tantos que não cabem aqui. Atirem um ao ar e vão ver que espirra sobre mim
GOSTO: das pessoas verdadeiras e honestas, sem “jogos”
NÃO PASSAREI: a ser diferente por desgastar/ás vezes cansar, ser como sou. Só quando perceber o meu erro ou falha
DETESTAS: arrogância; perversidade, hipocrisia, maldade humana sob todas as formas. Todas as discriminações
PESSOA: felizmente encontramos algumas por aí e por aqui espalhadas

Passo este jogo da verdade a:
- Auréola Branca
- Beno Baptista
- Ell
- Maria no Reino de Esther
- Miruii
- Nilson Barcelli
- Rubens da Cunha
E como não me disseram, nem ditaram regras, escolhi sete pessoas de todas as outras quem deixo o jogo em aberto.