terça-feira, junho 24, 2008

4º Jogo das 12 Palavras - 1ª Parte

Sáudo dois novos companheiros desta aventura com 12 palavras, a Sónia Pessoa e o Dark, que se estreiam no jogo de hoje, bem como o regresso do júlio Carvalho, "aventureiro" da 1ª hora que tem andado afastado.
Entretanto sinto, como vós sentireis, a falta de algumas companheiras que, por razões de trabalho e pessoais, informaram não puderem participar neste 4º Jogo, mas retomarão a seguir.
Bem-vindos à aventura com as palavras da nossa língua.

E hoje chegou novo contributo, nova participante.
A Paula Raposo, que poderão ler no fim.




1


excesso de zelo

num sobressalto, Diana apoia um cotovelo no lodo e estica o corpo para vasculhar a água barrenta. a sua face, habitualmente rosácea, está agora branca como a cal. num acto de loucura, segura-se às raízes descarnadas e mergulha, para conseguir emergir o seu compêndio sobre os métodos para manter a compostura.
Ana Eugénio


2

Senti-me estremecer. Cair. Um sobressalto dominou-me o corpo.
Inúteis minhas barbatanas e a força da poderosa cauda. Já sem raízes, arrancadas estas pela descontrolada loucura da água e do lodo a invadir a terra, a vasculhar todos os recantos, a criar novos espaços pela destruição do que antes o ocupava.

Arrastada pela força incontrolável dos elementos vi o que restava das casas, já sem pintura ou cal.
Os Homens corriam gritando antes de serem atingidos pela massiva e monumental massa de água e destruídas suas vidas.
As cidades, invadidas pelo enfurecido colosso sob a forma de água, viam todo o método e organização urbana e rotinas, aniquilados num fugaz piscar de olhos.

Senti movimento. Vi uma mulher e uma criança serem arrastadas, sem controlo, para a morte.
O braço da mulher, em ângulo, desaparecia já na profundeza das águas em fúria por mim nunca antes sentida ou vista.
Lancei um tentáculo. Agarrei-a pelo cotovelo. Senti o osso estalar. Puxei com toda a força até ver as cabeças de ambas emergir.
Olhos desorbitados, bocas escancaradas. Os rostos de uma palidez cerosa onde quatro rosáceas concentravam o sangue dos corpos. Os rostos, nada mais do que máscaras do mais intenso terror.
Alienada toda a humanidade que antes as revestia olhavam sem ver um mundo que súbito se lhes tornara desconhecido e hostil.
SEREIA

3

ALENTEJO


Água, bem precioso. Em vias de extinção. Seria (será) o nosso fim?
No meu Alentejo, adorava as pequenas albufeiras. Ainda existem, a par das grandes. E a água das fontes da quinta? Bebida pelo caneco de cortiça, que se calhar tem nome próprio que já esqueci…
(e que amigo meu veio recordar: cocharro).

No Alentejo sempre houve pouca água. Mas cal, branca, nunca faltou para que a minha vila fosse a mais linda e alva do mundo.

Corpo em descanso nas tardes alentejanas. Lugar aonde, diariamente, desejo voltar. Lugar que, parece, está cada vez mais longe.

Dor de cotovelo é sinónimo de inveja. Que os alentejanos – excepções à parte – não conhecem.

Olhando as águas profundas da albufeira sonhava. Sonhava com o dia em que, feliz, visse emergir das águas profundas, uma sereia que cantasse para ele canções de amor.

Naquela albufeira pequena e serena, perto da minha vila, também havia lodo. Que nós ignorávamos. Porque o prazer do banho, na tarde tórrida de verão, tudo compensava.

O sol, inclemente, apanhava-nos num rompante. Atormentava-nos. Mas era uma espécie de loucura o que sentíamos na estrada poeirenta, feita pista de corrida improvisada.

Havia um método certo para aquelas tardes. Com o calor sufocante que se fazia sentir, era debaixo dos arcos que descansava. A casa grande da quinta, que não era da sua família, tinha os pátios e arcadas em pedra fria a que se juntavam as várias fontes. E era lá, numa cadeira de vime, que passava as tardes antes de passear na vila. Lendo ou ouvindo música, num velho gravador. Eram férias de sonho, já lá vão cinquenta anos…

A mãe, alentejana, o pai natural de Sintra. Divididos na distância mas unidos em outros parentescos, tiveram que optar pelo local de fixação. Foi nessa altura que partiram. Mas as raízes profundas e o sentir alentejano ainda perduram, tantos anos decorridos.

Sentado à beira do tanque, que todos chamavam piscina, olhava em volta, na tentativa de gravar as imagens. Havia bancos feitos de pedra, de troncos cortados de árvores, havia grandes plátanos, castanheiros e outras árvores imponentes que não conhecia. Foi nessa altura que reparou, pela primeira vez em tanto tempo, naquela escultura feita de pedra mármore, talvez do mesmo mármore que ali perto era arrancado. Parecia uma flor que irradiava de um centro. Flor igual à rosa.
(Porque se lembrou de repente do nome rosácea?)
E viu de repente uma luz muito brilhante saindo de todo aquele conjunto.

Luz que ainda hoje o acompanha.

Nos tempos da tropa, que se aproximava, tentou dar um pulo a Espanha. Nunca havia saído de Portugal e naquele tempo os naturais das terras de fronteira apenas precisavam do bilhete de identidade.
Partiram cedo na camioneta de carreira. Com o coração em sobressalto e um medo escondido, pensava no que podia acontecer.
E foi na raia, ao apresentar os documentos, que o guarda, zeloso, lhe disse que aos vinte anos, não havia passeio para ele. Prestes a cumprir o serviço militar, precisava de uma licença especial para atravessar a fronteira.
Tio e sobrinho voltaram para casa. Nos seus rostos a desilusão e também muita revolta.

Andou a vasculhar na memória à procura da sua melhor referência, da imagem que o prendia à vila. E curiosamente é um cheiro que o prende. O cheiro do bucho – era assim que o conhecia – que havia em abundância no grande largo em frente à casa, está sempre presente. E que a muitos quilómetros de distância o agarra intensamente quando o volta a encontrar.
Zé Viajante

4

Bivalves

Em nome do pai, do filho e do espírito santo.

O incenso faz dois braços que se cruzam, no ar pesado de água sobre a cova coberta de cal.
O padre encomenda um corpo. É final da manhã e não há sol. O céu descai, sobre a sepultura, um cinzento pesado.
A dois passos dali, na ria, andam os homens a vasculhar na demanda do isco. Os pés descalços pisam o lodo com método. Além mais abaixo, o lingueirão assoma num emergir em rosácea. Uma, duas, muitas formas arredondadas como se fossem vitrais alumiando nave.
O funeral fez-se sem sobressalto o caixão levado por quatro pessoas. A amante chorosa e enlutada num branco coberto por um impermeável negro que mal lhe tapa a anca estreita. O filho que fez em duas horas os trezentos quilómetros, mal leu o telegrama: Morreu. Pai. Enterro. Amanhã. Dez. - a mãe, quando enviara, poupara os abraços e a palavra horas, cuidado que se percebia por ser uma loucura o preço de cada palavra. Nas outras pegas, seguravam dois conhecidos da apanha do bivalve. Os amigos, que eram a bem dizer, o Ilídio e o Timóteo, souberam do ocorrido depois de uma semana. Ninguém mais para que se pudesse dizer: olha, está passando um cortejo fúnebre.
A mulher, preferiu ficar sentada num cotovelo da mesa da cozinha limpando de raízes umas cebolas que semeara no quintalzito dos rés de chão em que moram. Lembra o que dizia o falecido:
- Quando morrer não quero que chores. Enquanto me enterram, fica em casa ou dá um passeio pela serra ou faz qualquer coisa que te distraia, mas não vás ao cemitério.
A mim, basta-me o coveiro.
Há um ano e meio ele deixou a ria e o bote. Uma distracção daquilo que fazia no escritório. Preguiçou-se.
Há coisa de uns meses, despediu-se e deu em sair pela noite.
Dizia-lhe:
- Venho cedo, não te preocupes. Dorme.
Mas veio sempre cada vez mais tarde e ela sem pregar olho.
Uma tarde, disse-lhe:
- Hoje não durmo que agora tenho uma amante.
Assim, sem rodeios, como quem diz: hoje apanhei um balde, queres ver?
Ela vinha-lhe percebendo um olhar perdido da realidade. Há largo tempo.
- Consulta o Dr. Raimundo, Fernando.
Mas ele que nada, que não estava doente; manias tuas, respondia.
Por isso, ela nem se adornou de ciúmes. Esperou uma fiada longa de muitas noites em que ele não veio, e não se espantou quando o filho da Elvira do segundo esquerdo veio correndo dizer-lhe:
- O vizinho Artur (e arfava, o moço) encontrou o seu marido (e ela, adivinhando, só não sabia o como) enforcado na ria, ao pé do bote.
MCorreia

5

Aninha vive naquele casebre desde sempre!
Ali nasceu, cresceu, ganhou raízes. Sente seu aquele lugar, está ali de pedra e cal.
Da porta, até onde a vista alcança, um pequeno riacho desce em cascatas de água límpida, saltitando em vertiginosa loucura por entre um leito pedregoso.
Um corpo de pele rosácea, iluminado pelo sol, emergia das águas pintalgado de lodo.
Mergulhou de novo demoradamente e quando saiu da água secou o corpo em movimentos suaves, envergou uma camisola confortável e que deixava adivinhar um belo corpo de mulher.
Caminhou lentamente em direcção à porta entreaberta, tropeçou e num desequilíbrio total bateu fortemente com o cotovelo num tronco seco que ladeava o caminho. Ficou assim imobilizada durante segundos que mais pareceram horas.
Aos poucos recompôs-se, entrou em casa, preparou uma infusão de ervas, recostou-se numa velha cadeira de baloiço herança de sua avó, bebeu um gole de chá, leu duas páginas do livro que comprara na tarde anterior e adormeceu!
Já a noite caía quando um barulho vindo do sótão a fez acordar em sobressalto.
Pegou numa lamparina, subiu a estreita escada de madeira em cujo corrimão gasto pelos anos se foi apoiando.
Chegada ao último degrau começou a vasculhar cada recanto e não tardou a deparar-se com uma prateleira que havia sucumbido aos anos e ao peso das coisas que sobre ela repousavam.
Pousou a lamparina sobre um velho baú, com jeito colocou a prateleira no lugar, e com método organizou as caixas de recordações que foi abrindo demoradamente.
Quando desceu sentia o peso do cansaço, o sol há muito havia desaparecido no horizonte.
Dirigiu-se para o quarto, não sem que antes tenha fechado a pequena janela ornamentada com uma branca cortina de linho bordado.
Aconchegou-se na cama, e enquanto organizava mentalmente as tarefas para o dia seguinte, não tardou a adormecer.
Cá fora soprava uma brisa, os ramos das árvores, num vai vem cadenciado, ensaiavam uma dança.
Os pássaros aninhavam-se, o mundo avançava...
Bicho-de-conta

6

Procuro-me...


Procuro-me no meio da loucura
Das paredes brancas de cal
No sobressalto incessante
De ser, estar e existir...

Sinto-me a vasculhar
A minha alma rosácea
E encontro as raízes
Do meu ser,
No grito ininterrupto
Do meu sentir
Sem método
Sinto-me emergir
De mim própria
E o corpo abandonado
Sai do lodo
Que se transforma
Em água
E ao longe o mar
Entre cortado pela montanha
Em forma de cotovelo
Que deixa passar
Os últimos raios de sol...
E de novo me procuro
E me encontro...
Dair

7

O corpo mergulha sensual na água fresca e aprazível para emergir minutos depois em sobressalto. Ofegante, aspirando o ar que faltava no rosto agora de cal, volta a mergulhar, para vasculhar no lodo o símbolo das suas raízes perdidas.
É uma loucura, mas ele viu, entreviu a rosácea metálica no cotovelo do rio, onde a água rodopia e desvia a corrente rumo a juzante.
Seu pai tinha razão, o método não falha.Guarda segredos, o rio da sua infância.

Jawaa

8

o homem sem método
é um corpo de cal

lodo branco
inapto às raízes

O homem sem método
vitima-se
na loucura
rosácea
do sonho

Dobra-se
joelho e culpa

Possui
os cotovelos esfolados
no sobressalto
crespo da angústia

O homem sem método
se põe a vasculhar poços
ausentes de água


e por lá fica
incapaz de emergir

sedento sempre

Rubens da Cunha

9



Recordo!


O sol que entra por entre as janelas entreabertas
E faz brilhar as paredes pintadas a cal
Naquela casa
Memorial da minha vida,
Ao fundo o barulho da água
Que brota...

Apetece-me vasculhar
Os baús de outros tempos
E encontro as raízes da minha vida
Quando a loucura era passaporte
Para ser feliz!

Tantos anos passados
E tudo ficou ali
Intacto, guardado...

Olho os vestidos de Domingo
De um corpo que já não existe,
A manga comprida
Agora dá pelo cotovelo,
E sorrio para eles!

E o sol vai descendo
Pintando o firmamento
Na cor rosácea
E junto á cascata
Vejo o lodo emergir
Por entre as pedras
E fico quieta, parada
Sem sobressalto
A escutar a música
Das cascatas que se alinha
Num compasso binário
Sem método,
Mas onde repousa a minha alma!
Elsa Sequeira

10

A Queda no Charco

Como eu adoro andar de bicicleta!
Normalmente, faço percursos por caminhos não muito habituais aos ciclistas mas, como conheço bem a zona, não me é difícil orientar-me e agora, desde que tenho o meu “GPS”, nunca me perco e passeio-me sem o sobressalto de quem anda a caminhar no desconhecido
Não posso dizer que a minha bicicleta seja do modelo mais recente mas, em cima dela, com o meu capacete, joelheiras, protecção para os braços, luvas, mochila às costas e garrafa de água, eis-me pronta para a loucura que consistia em percorrer 10kms em 10 minutos.
Em vez de me dirigir para norte, como habitualmente, iria para noroeste, por onde os trilhos não eram tão pedregosos, mas desta vez não podia parar para me deitar um pouco e descansar junto às raízes daquele velho carvalho e ver o sol através dos sua folhas recordando-me a rosácea da igreja da minha aldeia O melhor método seria pedalar, pedalar sempre, mesmo nas descidas mais acentuadas, embora isso exigisse do meu corpo um certo sacrifício.
Pedala, pedala, faço curva e contra-curva e, de repente, fico branca como a cal da parede: ao efectuar uma curva em forma de cotovelo, que não me permitiu ver o que estava a seguir, deparo com uma enorme poça de lama e zás, catrapás, eis-me estatelada naquele lodode águas paradas, esverdeadas e, de onde, logo começaram a emergir dezenas de vermes que me provocavam uma coceira irritante.
E... azar dos azares! Como iria agora regressar a casa, toda suja e mal cheirosa? Por mais que me pusesse a vasculhar na minha imaginação não encontrei outra solução, senão tirar a roupa de cima e vir para casa em roupa interior que pelo menos ainda conseguia manter um pouco do cheirinho do gel do duche matinal.
Claro que não consegui levar a bom termo a aventura dos 10kms. em 10m., mas, na próxima semana, tentarei novamente a ousadia e, irei prevenida com o suplemento de uma muda de roupa lavada, não vá o diabo tecê-las.
Benó

11

Era apenas um desconhecido
(ou recordando Robert Walser)

Presumivelmente teria sido um crime. Mas ninguém o pudera provar.

Naqueles dias tudo girou à volta do corpo desconhecido, que um grupo de crianças, num sobressalto imediatamente transmitido a toda a aldeia, descobrira na margem da lagoa parada e carregada de silêncios, não longe da capela em ruínas, cuja rosácea gótica, onde apenas restavam alguns vitrais partidos, ainda acenava gestos antigos de fulgor colorido.

Era ali que as crianças iam brincar, diariamente ao cair da tarde, à volta da quietude da lagoa. Utilizavam também a velha capela como palco onde recriavam, em fértil imaginação, festas e cerimónias de antigamente, e muitas vezes atreviam-se até ao hospício, em cujos muros esmaecidos de humidade e de anos mal se notavam vestígios da cal que outrora os embranqueciam. Nas janelas desse mítico edifício reverberavam os raios do sol ao crepúsculo, devolvendo-os plenos de vida e recriando um ambiente intemporal e mágico. De Inverno nevava, tornando o local propício a jogos infantis e a algumas tragédias.

Era um corpo de homem velho, e isso podia afirmar-se, disseram as crianças mais tarde, pelo rosto enrugado mas sereno; o resto, coberto pela água da lagoa de onde apenas começara a emergir um cotovelo nu, adivinhava-se preso à margem pela teia das inúmeras raízes das árvores que povoavam o rebordo das águas.

As autoridades sentiram obrigação de fazer uma desinteressada e ligeira investigação no local, tentando vasculhar por umas horas aqui e ali na escuridão instalada, utilizando um método algo desarticulado que não conduziu a qualquer conclusão, salvo às hipóteses remotas de se tratar de uma inesperada errância pela loucura, um apelo de caminhos insondáveis ou um acto de solidão inominável da parte do desconhecido, e que o teria levado a arriscar tudo. Nada ficou provado.
Porque ao voltarem ao local do macabro achado, à chegada dos primeiros sinais da manhã, o corpo tinha desaparecido. Arrastado pelos limos - ou por inesperadas forças subterrâneas - para o fundo, para o lodo, para a solidão absoluta. O assunto foi, pouco a pouco, sendo esquecido. Afinal, era apenas um desconhecido.
Justine

12

da loucura

Não há método na loucura. Move-se em planos pantanosos dominados por invasivos lodos.
Não analisa. Não processa, mas insistente, em sobressalto, vasculha. Lança raízes e gavinhas para tudo abarcar. Do corpo à alma. Água e cal. Efervescente e abrasivo caldeirão de emoções de onde só as mãos logram emergir, mas não acenam despedidas ou chegadas. O cotovelo, ângulo do adeus, em contraste com uma rosácea de pedra de calcário ergue-se. Num aceno digno de um quadro de Dali
Dark

13


criador ou criatura?

em sobressalto misturou cal e água. a inesperada efervescência causou-lhe medo. em pânico recuou pensando ser ousadia, total loucura querer criar – pensar que o poderia fazer já o era – mas passar ao acto de criar um ser, um corpo à sua imagem… um intenso pavor congelou-lhe o pensamento. a mistura fervia, enchendo o ar de asfixiantes vapores e desconhecidos e cáusticos odores. agora que ousara começar tinha que fazer alguma coisa…
avançou para o espaço exterior. ao redor começou a vasculhar a terra procurando algo com que pudesse enriquecer o caldo. arrancou raízes. pegou um punhado de terra
e, receoso mas determinado, regressou à fervente mistura.

acalmou-o ver que a ebulição quase desaparecera dando lugar a uma pulsante papa, quase espessa pasta. aproximou-se e, alternando, deitou a terra e as raízes que trouxera.

a ebulição aumentou. enormes bolhas emergiam da massa. mas agora, apesar do medo, não recuou. estava determinado.
com uma raiz mais comprida arriscou mexer a papa. convenceu-se de que afinal ia conseguir. o método que congeminara ia resultar…mas havia que dar tempo.
sentiu o calor irradiando da mistura.
as bolhas, embora mais espaçadas, eram cada vez maiores e rebentavam desenhando uma rosácea que alastrava em ondas pela superfície da mistura.

ficou a observar a evolução do preparado e a pensar se não seria bom acrescentar-lhe um pouco de lodo para o tornar mais moldável…
afastou o pensamento.
o lodo roubaria a beleza da cor que agora via. para além de lhe dar um pestilento odor.

de vez em quando, já mais afoito, mexia de novo a mistura que acalmava e se homogeneizava. sentia a temperatura descer aos poucos.
por fim, ao mexê-la mais uma vez, achou boa a consistência. a medo arriscou tocar-lhe com a ponta de um dedo. nada de mau sucedeu. Decidido enfiou o braço, até ao cotovelo, para ir bem ao fundo, e trouxe uma bola da massa e pôs-se a moldá-la cantarolando feliz.
repetiu o processo as vezes necessárias até fazer/moldar, uma imagem à sua semelhança.

olhou a obra e sentiu contentamento.

ergueu-se e disse: “abre os olhos, caminha e fala.”

mas o homem ainda não era um criador e, á sua semelhança, esquecido, abandonado, ficou inerte boneco de cal terra e raízes onde o sopro da vida não entrara.
Amla

4º Jogo das 12 Palavras - 2ª Parte









14

como um um corpo de água e cal e raízes faço meu o lodo da loucura. sem método

nem sobressalto. antes sou o sal rosáceo a rasgar o cotovelo da noite.
________________onde vasculhar é emergir-
te.__________imensa

Isabel Mendes Ferreira

15

A Catedral

No silêncio da catedral ecoam passos soltos e breves de alguém. O interlúdio do dia adeja por entre a rosácea de miríades lampejos. Feixes rosados, azulados e oiro puro cruzam as paredes. Há paz. A figura genuflecte mesmo junto ao altar em prece ardente. Corpo arquejado ergue as mãos em triângulo de oração. O frémito percorre-a dando sobressalto à figura. Inclina-se mais e mais, esconde o rosto em profundo recolhimento. Assim fica por momentos. A prece termina, alheia ergue o rosto, onde vibrátil uma gota de água rola. Outra e mais outra. Assim leves, simples e puras, as lágrimas escorrem das mãos para o braço deslizando pelo cotovelo direito assente sobre o genuflexório. Sacode-o imperceptivelmente. Um murmúrio solta-se dos seus lábios fazendo emergir um suspiro de paz interior, seguido de um brilho de crença no olhar. Levanta-se, benze-se e lentamente desce o trifório central onde no alto as ogivas entrecruzadas sopram hinos altaneiros. Já no exterior, protege os olhos desse sol casado em céu azul. Avança uns passos, ergue o rosto. Olha a pedra rendilhada, que se ergue dos contrafortes e arcobotantes, ali mesmo ao lado. Pedra cantada de mãos ásperas. Afagos de arte esculpidos em preces de cal humana. No beiral nascente, povoando o algeroz, três gárgulas, hediondas mas majestosas, feias e retorcidas abrem as bocas despidas de raízes de ser. Nos rostos disformes, a quem a pedra tingiu ainda de mais negro, e o artista prodigalizou a loucura em pupilas vazias, perpassa o lodo fétido do sentir errado do mundo que se enxagua sempre que o céu se tinge e quebranta.
Mais acima, lá quase no alto, o pináculo nascente vasculha a imortalidade dos dias na quimérica fé da bem-aventurança. A figura suspira albergando no peito a esperança da sua fé. A catedral jaz imutável no bem e no mal, na sua fidúcia de porvir. O método da alma mora ali.
Mateso



16

LUGARES

Passamos por elas, quando atravessamos certos lugarejos à beira das estradas. São escadas de madeira ou de alumínio encostadas às paredes das casas, mas eu vejo-as como se de cotovelo de corpo apoiado à procura de equilíbrio se tratasse. Ao lado, no chão, sob o calor dos dias, figuras curvadas de cansaços vários, nas mãos os pincéis húmidos de silêncios guardados na mistura de água e cal que estremece nos baldes em cada gesto repetido. Método ancestral esse de vasculhar o passado e de o preservar na brancura das paredes, cada um ao encontro de si nas suas raízes tantas vezes perdidas no lodo da pátria ou no sobressalto de um lugar estranho. Lugar de outros, ou de empréstimo apenas, que nem sempre chegará a pertencer-lhes. Mas a necessidade de sobrevivência de cada ser humano contém a loucura do sonho e não importa que seja breve o tempo e a cor de uma rosácea de catedral a emergir no seu pensamento sem fronteiras.
M



17

loucura da dor

Dei por mim, sem método que me valesse, num demenciado processo de loucura. A atascar-me em lodo. A vasculhar delirantes memórias.
Em sobessalto busquei as raízes de mim. Origem e âncora de sanidade.
Respirei fundo. Deixei o oxigénio revivificar o corpo e este emergir do lodoso pântano da insanidade.

Tranquilo.
Com a serenidade da água na nascente.

Pousei os cotovelos sobre a mesa. Repousei a cabeça entre as mãos e, na brancura da cal, vi tua etérea figura mover-se ondulante na luminosa rosácea que a luz projectava na branca parede.
Eremita

18

No início de um século remoto, em terras de Espanha, o povo andava em sobressalto, apavorado. Uns, atónitos, clamavam atando as mãos à cabeça
-"É coisa do diabo!". Outros, de joelhos no chão e olhos esbugalhados, bradavam

-"É milagre!", "O fim Do mundo!", "Oremos, irmãos!".
Os senhores mais poderosos da época enviaram emissários às origens da sabedoria com missivas secretas.
Ali se reuniram discretos e protegidos alquimistas, zelosos e estudiosos pensadores, cogitando vasculhar o corpo da loucura (assim lhe chamaram) a emergir em forma de cotovelo da água. Perante tal impossibilidade, os primeiros recolheram lodo, raízes dadas à costa pela maré, pó de pedra da rosácea da igreja da Madre del Mar, areia, algas, resquícios de sal, e
tudo misturaram com mezinhas, poções e cal.
Os eruditos debruçaram-se sobre volumosos livros, códices, papiros e elaboradas equações matemáticas. Sem explicação para o fenómeno, afirmaram

- "Aumentem o tributo ao povo!", "Sacrifiquem-se cabritos!", "Imolem-se os ímpios!".
Todos os métodos usados de nada serviram. Subitamente, para espanto de toda a gente, o mar aquietou. Ainda hoje, naquele lugarejo isolado, conta-se aos mais pequenos a lenda do tornado.

Amita

19

Estou em sobressalto, inquieta, muito embora tente permanecer imóvel. Com um e outro cotovelo apoiado na janela, aqui permaneço em silêncio… lá fora a chuva cai, devagar, como que a conta-gotas, a água escorre pelo caminho que me leva até ti, mas o qual não tenho forças para percorrer. Sinto uma vontade enorme de gritar, emergir de mim mesma, contrariar a inércia deste corpo que aqui tomba, de pedra e cal, sem forças para lutar por ti. Que loucura esta… tanto amor, tanta dor… nada parece fazer sentido, será que perdi a capacidade de raciocinar? Tento erguer-me, vasculho dentro do meu ser um método de libertar estas raízes que me prendem a esta janela e de ir ao encontro de quem mais amo nesta vida… raízes, lodo, tudo me prende o corpo, atola a alma e me faz sentir profundamente infeliz. Sinto os olhos molhados, a imagem turva, não chove apenas lá fora, chove também dentro de mim… fecho os olhos e, por momentos, adormeço. Sinto o rosto quente. Ainda em sobressalto, sem noção do tempo, acordo… os raios do sol incendeiam-me o olhar, e por instantes vislumbro esta estrela no seu máximo resplendor, uma rosácea de cores dançam para mim e, por momentos, esqueço-me da dor e quase acredito poder voltar, um dia, a ser feliz!

Sónia Pessoa

20

Mão no queixo, cotovelo apoiado na outra mão, olho em cada rosácea inscrita na pedra de cal dos túmulos de Inês e do seu Príncipe, gravada com método – como na colcha de Thétis – a loucura dos homens. Vasculhar no lodo da História é encontrar as raízes que nos prendem, purificados pela água que escorre no rosto, a emergir nela o sobressalto da morte anunciada daquele corpo ainda jovem.

É a nossa História inscrita no tempo.

miruii

21

talvez


talvez a água tenha escorrido
pelo teu corpo
e falado da loucura
das minhas mãos de cal
quem sabe no cotovelo do rio
viste emergir do lodo
os meus braços raízes
estendidos em sobressalto
como rosácea de oferenda
a um deus implacável
talvez a água te tenha dito
do vasculhar na memória de ti
vendaval sem método ou limite
no leito onde corre a minha vida
Vida de Vidro

22

Neblinas I

Era domingo à tarde. Um domingo igual a muitos outros domingos, aquele em que mergulhei neste lodo em que me sinto atolada.
Ainda não sei muito bem como aconteceu. Todo o meu corpo se encontra ainda dorido. Deitada nesta cama de hospital, tento vasculhar a minha memória à procura de um ponto de referência, uma luz que me ilumine sobre o momento em que tudo ocorreu.
Recordo-me de entrar no carro do pai, o Fiat 1100…
- Querida, não te mexas! Dói-te a cabeça? – Pergunta-me a enfermeira acabando de entrar no quarto.
Respondo que não, a cabeça não… O que me dói mais é o braço.
O braço esquerdo foi partido pelo cotovelo. E o rosto… Não sei como está o meu rosto. Sinto-o seco e repuxado em alguns sítios, noutros parece-me húmido, mas não posso mexer-lhe para verificar.
A enfermeira faz novamente o curativo, usando o mesmo método de sempre: lava-o suavemente com uma compressa embebida em água morna e aplica uma tintura vermelha. A minha cara deve ficar parecida com uma rosácea, de tão pintada! Se me olhasse ao espelho, acho que teria um sobressalto, ao reparar na figura que devo estar a fazer.
- Querida, não te dói mesmo a cabeça?
Respondo outra vez que não.
A enfermeira sai do quarto e deixa-me de novo com os meus pensamentos.
Ontem os pais vieram-me visitar e trouxeram-me um bolo. E a enfermeira, ao ver, zangou-se com eles, porque eu não podia estar a comê-lo. Ainda ouvi falar em fractura de crânio… mas, a sério que não me dói a cabeça. E, se doesse, se calhar eu também não diria nada, com medo que me operassem…
Mas, agora, é preciso que eu procure as raízes desta loucura que não me deixa recordar tudo o que se passou.
Lembro-me que, após o acidente, vi o rosto do pai branco como a cal. Só não me consigo recordar como é que fui cair do carro em andamento. Essas lembranças ainda estão no fundo da minha memória, mas sei que, aos poucos, irão emergir.
Fá Menor

23


O SÓTÃO


Tinha decidido ir ao escuro sótão vasculhar calmamente, sem pressa nem sobressalto as raízes do seu passado.
A rosácea que iluminava aquele espaço encontrava-se coberta de teias de aranha mas umas vassouradas vigorosas deixaram, novamente, a luz entrar para aquela divisão da casa que tão poucas visitas recebia.
Pensava ir encontrar alguma coisa que o ajudasse a desvendar o enigma da loucura que atormentou os últimos anos de vida de sua mãe. Era assunto tabú, lá em casa, e nenhum método de investigação caseira o tinha ajudado em tornar claro aquele assunto, nem as perguntas indirectas à família, nem a alusão à vida amorosa de seu pai, a morte súbita do seu irmão mais novo, nada disso tinha resultado e, assim, ia dar o “corpo ao manifesto” e pôr-se a remexer naquelas poeirentas recordações para ver se conseguia, com algum trabalho, é certo, fazer emergir daquela água turva que era o passado dos seus pais toda a verdade que lhe parecia metida em lodo.
Havia quatro caixas que continham fotos a preto e branco, algumas já bastante amareladas; outras duas ainda maiores, com cartas manuscritas e presas com fitas de seda descoloridas pelo tempo e ainda estavam mais dois caixotes com vários objectos
que poderiam ter decorado qualquer móvel do século passado. Mas, o que lhe estava a chamar a atenção era aquele boneco de celulóide, pintado de branco, como a cal, despido e só com um braço e mesmo esse cortado pelo cotovelo. Porquê guardar um boneco mutilado, nú, e que aparentemente deveria já estar no lixo há muito tempo?

As horas passaram rapidamente e sem se aperceber a luz foi deixando de iluminar o sótão, o que o obrigou a regressar para junto dos seus dois Rafeiros Alentejanos que o esperavam pacientemente na velha sala de estar. Dois amigos canídeos que o pai lhe oferecera, já no fim da sua vida e, que o casal de caseiros que ainda mantinha na quinta, tratava amorosamente.
Da próxima visita talvez começasse a ler algumas cartas.
Benó


24

Cores de um Olhar

Hoje quis apenas viver as cores que me rodeiam...
Sentir o calor do sol beijar-me o corpo.
Emergir do lodo em que este mundo se vai afundando pela loucura de homens feios
Esquecer a mentira, a falsidade, a hipocrisia
Que encontro no virar de cada cotovelo dos caminhos da vida.
Esquecer as guerras, a fome e a miséria
Encontrar um método para acabar com esta sociedade artificial, egoísta e consumista que somos vasculhar no baú das memórias e cortar raízes de tudo aquilo menos bom que insisto em guardar...
Hoje deixei que o meu olhar captasse apenas o que há de belo na vida.
A pequena aldeia de pedra e cal frente ao mar
Os raios de sol coados pela rosácea de mil cores da velha catedral
A água fresca e cristalina que corre em cascata
O sobressalto da minha pele ao toque do beijo teu.
O riso inocente das crianças numa brincadeira qualquer
O abraço terno dos namorados num banco de jardim
Os rostos enrugados com olhos rasos de histórias de muitas Primaveras e tantos Outonos
Hoje, hoje vesti-me apenas com as cores do meu olhar...
Micas


25

ODE AO PRAZER


Puseste-me o corpo expectante num sobressalto de prazer, deixando-o à deriva e à beira da loucura com o teu toque mágico e malicioso...Arrancaste as raízes que me prendiam a esse conceito denominado "decência" (e o que é isso, senão dor de cotovelo dos puritanos e conservadores?); arrancaste-me do lodo da rotina e dos dias iguais e fizeste emergir o prazer; andaste a vasculhar a água pantanosa onde o meu ser descansava e sacaste de lá gritos de prazer.
Prazer, prazer, prazer...Para as urtigas a razão. Para as urtigas Descartes e o seu MÉTODO. Abaixo os conceitos de pedra e cal. Abaixo as rosáceas das igrejas. Avé o Prazer!!

26


Passeava eu numa das nossas belas serras nortenhas, no Minho, local de grande beleza, serenidade, e frondosa vegetação de um verde intenso, onde o sol reflectia a sua luz.

As estradas estão ladeadas de árvores gigantes cujas raízes formam autênticas esculturas que se infiltram no alcatrão da estrada.

A água jorra em abundância, fresca e cristalina, por vezes formando, caminhos de lodo que dão gozo aos amantes de todo o terreno, que percorrem os trilhos numa loucura sã mas com método. Não implica atentado ao ambiente nem ao meio. Continuei a minha caminhada, quando num sobressalto, vi emergir 2 ou 3 cavalos selvagens na minha direcção.

Fiquei extasiada e feliz por, finalmente, ter o privilégio de conseguir fotografar o belo corpo equídeo que é de uma elegância e beleza de parar a respiração.

De tão emocionada senti nascer-me na face uma rosácea de êxtase por tanta beleza ao meu redor.

O subir e descer aquelas serras, o apanhar flores campestres, o vasculhar aqueles terrenos que guardam autênticos tesouros, o ar que se respira, o céu azul, o piar de uma variedade imensa de pássaros, a serenidade que ali se vive que, espero, tenha vindo para ficar de pedra e cal, é uma felicidade para quem o puder gozar e de certeza que quando o mostramos por fotografias e descrevemos os dias que por ali se passaram, os outros ficam com “dor de cotovelo” por não terem desfrutado do mesmo prazer e encantamento.
mj


4º Jogo das 12 Palavras - IIIª Parte



27

Insanidade incipiente
Parte I


As sombras das árvores projectavam-se nas paredes do quarto. Dançavam e avivavam-se perante ela como num palco tenebroso, aparentemente arquitectado pela loucura que se instalara na família, geração após geração.
As suas raízes remontavam a tempos imemoriais e ela perdera-lhes o rasto há muito. Sabia apenas que a demência aparentava emergir do lado feminino como se as mulheres fossem marcadas com um ferro em brasa à nascença.
Não se ouvia vento e nada de concreto que explicasse aquela dança macabra de sombras que a aterrava deixando-a em sobressalto e forçando-lhe o corpo a tremer convulsivamente.

Acordou subitamente. Escorria-lhe um suor gélido que quase a paralisou pois reconhecia-o como inimigo de outras batalhas perdidas. Levantou-se e vestiu-se à pressa. Depois de vasculhar num baú antigo em busca de um mapa amarelado e envelhecido. Observou-o e voltou a guardá-lo.

Tinha olhos grandes, azul pálido, assustados, numa face arredondada que se encontrava branca como a cal. Costumava emanar uma luminosidade que nessa noite parecia estagnada como se o terror lhe roubasse a vida.

Seguiu por um atalho usado há mais de meio século pelos detentores de mapas iguais ao seu. A água da chuva permitira que a poeira invisível de que se alimentava a terra, se houvesse transformado em lodo, e este agarrava-se-lhe às saias compridas como se fosse uma mão, cravando-se nelas, tentando atrasá-la, esperando que renunciasse. Mas caminhava como que sonâmbula.
A chave para não se perder era uma sinuosidade no atalho, em forma de cotovelo.
Era a área onde principiava a adensar-se a vegetação e onde a maioria das criaturas se perdiam, preferindo desistir. A trilha morria devagar e a floresta pantanosa formava a cortina perfeita para que a antiga capela só fosse do conhecimento dos depositários do seu segredo.

Chegou. Reconheceu a lindíssima rosácea.
O único método para entrar era fazer accionar um mecanismo dissimulado: duas pequenas reproduções da enorme rosácea, uma de cada lado da portada principal, tinham que ser empurradas até se ouvir um estalido característico.

Entrou. Reinava novamente uma poeira fina apesar do odor a cera recente. Acendeu uma das velas e viu a sua sombra invadir o interior da capela. Caminhou devagar, observando os olhos do Cristo ali preso há meio século.
Se fosse de dia, a luz filtrada pela rosácea, incidiria sobre a face do Cristo.
Modelado à imagem da sua família tinha igualmente olhos de um azul pálido, perdidos numa dor para a qual apenas outros que não ele, tinham resposta.
Estava esgotada. O receio e os suores frios retornaram e ela deixou-se cair junto ao altar.
Raquel Vasconcelos


28
POEMATÓGRAFO

Não tenho método para te chorar. Trago lodo no olhar todo. O silêncio escorregou para dentro da minha boca depois de dar por ti a vasculhar as veias do meu coração. Em sobressalto assalto os teus lábios com um beijo de água e sal. Peço-te calma minha loucura de ser coerente. Cal-ma meu lapso de ser feliz e empresta-me o teu corpo por um minuto. Emprestas-me as raízes da flor que és plantada nos meus pensamentos. Não te esqueças do cotovelo. Quero vê-lo em cima de mim com o aroma e a densidade rosácea emergir do teu hálito!
Paradoxos


29

Insanidade


(dessa água não bebo. )
Escorre cal pela parede caiada
tal qual um corpo muito branco
erguendo seu cotovelo
que vem emergir devagar do fundo do lodo
da loucura.
Tal visão, cria um método,
forma
que se enrosca nas raízes da memória
e eu construo uma rosácea de sonhos estranhos...
E num sobressalto acordo
a vasculhar minhas
lembranças
para não perder
a razão.
Júlio Carvalho

30

Vasculhar

Cai a água do tormento
No meu corpo aliviado
Deleitando-me num momento
Arrepiantemente desejado

A minha pele sabe a sal
Provada pela loucura
O meu nome é “cal
Dizes-me com ternura

Do lodo fazes emergir
Raízes negras entranhadas
Tuas palavras são o sorrir
De inspirações descompassadas

Recorro ao método até à exaustão
Deixando as quadras prostradas
Apoio o cotovelo no chão
E as pernas entrelaçadas

Desenharam-me uma rosácea
Naquela pedra tumular
Onde despejaste a falácia
Nos lábios, a vasculhar

Dormindo no meu colo
Deste um sobressalto ao ler
Que tão grande desconsolo
Seria não te conhecer.
Eli Rodrigues


31

início

assim passava os dias. o corpo imerso na água. em repouso ou possuído pela fome a vasculhar no lodo algo que a matasse,
muitas vezes recorria ás polpudas raízes das plantas que vingavam nas pantanosas águas.

o ser tinham um corpo, mas desconhecia-o.
era uma identidade.
não existia a palavra. o pensamento ainda só um sobressalto expresso por descontroladas vagas de emoções como se demente vontade destruidora o possuísse.
pois não seria loucura quando através das águas via, lá muito ao longe, uma luminosa rosácea colorida por tão ricos tons diversos dos da homogeneidade brumosa do pântano, da qual sabia emanar o calor que bem gostava de sentir e, ao fitá-la um louco e intenso desejo impeli-lo a abandonar o pântano?
explorar o que via e sentia para além do seu mundo?

cada vez mais forte aquela insanidade impelindo-o a emergir apesar do medo crescer proporcionalmente. sentia que seria destruído naquele espaço desconhecido e hostil.

quedava-se a digerir o alimento deitando-se no fundo, onde encontrasse águas mais límpidas, a fitar a sua tentação. a receber o calor que lhe atenuava o frio que sempre o possuía. ficava inerte. esquecido. a olhar todas aquelas coloridas vibrações e quanto mais o fazia mais o louco desejo o invadia. o impelia. apesar do medo.

e de vontade tão intensa o pensamento começou a ganhar forma, estrutura e método.
congeminou que tinha que emergir. não controlava o impulso. mas tinha que o fazer duma forma segura. uma que lhe permitisse recolher-se ao seu ambiente, ao menor sinal de perigo.

tanto pensou na questão, pesquisou os lugares onde terminava o pântano, onde as águas acabavam, até que escolheu um local. um dia, a medo, o ser emergiu das águas. rastejante. apoiando-se no cotovelo. pela primeira vez em terra firme.

sentiu e viu, em toda a sua variedade, aquele mundo desconhecido, mas que, inexorável, o atraíra. viu, com uma nitidez nunca antes possível, o esplendor da quente rosácea fonte de luz e calor brilhando lá longe, muito alto.

aos poucos, fascinado, o ser ergueu-se.

erecta figura de um branco de cal.

pele engelhada faiscando ao sol.

iniciou a caminhada.
TMara

32

Falo-te de rosácea

um breve emergir

o método eficaz de raízes

no meu corpo sobressalto

e que será de loucura

este lodo

a vasculhar

ou de cal o cotovelo

da nossa água amor.

Paula Raposo

sábado, junho 07, 2008

As 12 palavras para o 4º JOGO





E as palavras para o 4º Jogo das 12 Palavras são:
Água -Cal- Corpo- Cotovelo -Emergir -Lodo -Loucura -Método - Raízes -Rosácea -Sobressalto - Vasculhar
.


Que comece o JOGO e boa fortuna com as palavras que nos calharam.


NOTÍCIA AOS PASSANTES: inesperadamente, dado que ninguém pensou nisso ao começar, lá para Novembro vai sair um livro colectivo.
"E esta, hemmm...?"