
entre a realidade e o sonho andei por aí fora mais dias do que previra e vos transmitira.
Entretanto voltei há já largos dias, mas na vida surgem coisas inesperadas e assim a ausência continuou e vai continuar, mas não sem hoje vir aqui e passear um pouco por este belo mundo criado na virtualidade onde o real da solidariedade humana se mostra em esplendor.
Sei que existe uma outra face, como em tudo onde a humanidade se apresenta.
Felizmente essa outra, negra, tem andado de mim arredia e espero que continue.
Os dias que pela serra andei foram deliciosos, no tocante à natureza e a alguns humanos e novos conhecimentos.
O mais interessante foi a "nhora Nininha", como é tratada e advém-lhe tal diminutivio da peculiar forma de construir as frases.
Diz ela que assim é desde que se lembra.
Conta hoje oitenta e cinco rijos e lúcidos anos.
Os filhos, seis rapazes, emigraram, vivem muito bem nos países de acolhimento onde ela já foi várias vezes e gostaria eu de saber reproduzir as imagens com que nos transmite as emoções que esses estranhos países e gentes de diferentes e estranhos usos e hábitos lhe provocam, mas confesso minha impotência para tal. Minha incompetência, afinal.
Voltemos ao nome: "nhora Nininha" fala sempre, mas atenção que quando digo sempre é mesmo sempre, usando diminutivos.
Por exemplo, ao falar das galinhas dizia-me:
"Veja o senhorinho que as minhas galinhinhas andam por aí, soltinhas. Comem ervinhas, bichinhos que por aí é o que mais há, mas do que elas gostam mesmo é de comer minhoquinhas. Havia o senhorinho de as ver...As pobrezinhas ficam louquinhas e brigam umas com as outras, coitadinhas, tentando roubar à galinhinha que apanhou a minhoquinha a pobre bichinha. Olhe, até faz dó, pois se não bastasse a bichinha ser comida, antes fica toda partidinha com a briga das minhas galinhinhas"Não pensem que brinco ou deliro, nem que ela assim fala por debilidade ou esclerose.
Não sabe explicar o porquê.
Lembra-se que sempre assim falou e o geito ficou-lhe de tal forma que nunca falou doutra forma.
Nina lhe chamavam os pais.
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"Por eu sempre falar assim o povinho baptizou-me de Nininha.E pegou. Por mi tá bem. Sempre esteve. Não é falta de respeitinho. Até é um miminho, um carinhinho, não acha o senhorinho?"E ri-se. Alegre. Com uma pureza que já raro se encontra.
E dos "
filhinhos", dos "
netinhos" e das "
norinhas" me fala, com carinho e elogios e
m que se desfaz também com lágrimas, se fosse ela diria umas lagriminhas, quando fala dos seus ricos
"netinhos" e também dos "sobrinhinhos que são como filhinhos", pois tanto ela lhes quer quanto eles a ela e nela sempre buscam conselho e orientação.
Lido desta forma parece que é louca ou esclerosada.
Longe, mas muito longe de tal.
Modo de falar que o isolamento alimentou e forma carinhosa em que sempre se expressou.
Sábia é esta mulher que ali vive só, contra a vontade dos filhos que a querem com eles, no conforto e segurança de suas casa e amor.
Falámos muito.
Acabei por ficar três dias na zona e passei a maior parte desse tempo com ela.
Vim de lá mais rico e humanamente mais "humano" e com maior capacidade de compreensão e respeito.
Como se ela me houvesse retirado uma venda que desconhecia velar-me os sentidos do corpo e da alma.
Lá voltarei sempre a enriquecer-me, pois fiquei convicto que apesar da idade, do isolamento, da distância que a separa dos filhos e restantes entes amados que por norma vê duas vezes por ano, não se sente só, nem solitária, embora diga que estaria melhor se tivesse:
"o meu Albertinho" comigo. Foi sempre um bom maridinho e bom companheirinho.Um mourinho no trabalhinho que só visto". E suspira.
Um som suave que lhe sai fundo do pequeno peito pois é franzina.