de morfeu navio,
uma sacudidela
afasta dentro do oceano
qualquer oscilação
e o vento vasteza
não altera a situação
desta minha batida.
Paula Raposo
acordo dentro desta espécie de navio,
que construí com as minhas próprias mãos,
transporte da faina batida na foz deste rio
e bojo movente para turistas ou gente assim.
O oceano ainda está longe das margens baixas
mas sinto o vento marítimo avançar,
uma oscilação, uma sacudidela,
situação habitual quando as águas oceânicas
embatem nas águas fluviais.
Ao começar a desenrolar os meus apetrechos
para pescar navegando à vista da costa,
sinto em redor a vasteza que se estende até ao deserto
e de súbito descortino,
atento, hirto, soberano,
a figura de um tigre,
só e forte e frio,como sentinela de um território de ninguém.
Evocação a Francisco Torres, do blog Anomalias que, em homenagem ao seu gato, assumiu o nick name de Morfeu
Que raio de ideia aquela do passeata pelo oceano em meio da tormenta de Verão, que de tão anunciada, nem podia ser considerada surpresa. Vá lá que não custa nada, uma horita na travessia até às Berlengas, nem dá para o enjoo! E há que tempos não vou lá, espraiar a vista pela vasteza do mar alto, com aquele sensação única de quem tem os pés assentes numa ilhota, terra firme mas diminuta, em falésia que, ao simples abrir de braços, é rampa de lançamento de sonhos voados, qual albatroz de partida para a imensidão…
Mal os pés postos no barco, navio de brinquedo, que faz a travessia a partir de Peniche, já a oscilação, ainda que ténue, do porto de abrigo o deixara algo suspeitoso. Mas o vento fresco e a manhã de sol risonho com promessa de dia da aventura possível, varreram uma hesitação que pressentira, à flor da pele.
Dentro da sua enorme mochila de caminheiro, embrulhado com a merenda e o equipamento fotográfico, o seu companheiro de todos os dias, o gato Morfeu, cuidadosamente camuflado e abafado, como passageiro clandestino que se preza, fartinho que estava o seu dono de saber da rigorosa proibição de invadir a ilhota com bicharada doméstica ou por domesticar. Ainda para mais com um tigre daqueles, habituado a fazer razias nos pombos e pardalada dos jardins por onde vadiava.
Mas, que fazer? Deixá-lo onde, com o preço que pediam para alojamento da bicharada? À solta? Nem pensar, que a vizinhança andava atiçada pelas tropelias e mortandades do Morfeu e o mais certo era darem-lhe conta do canastro. Em casa, dir-me-ão. Impossível, pois albergava temporariamente uma velha tia felinofóbica, em deslocação à cidade para uma improvável cura de mal de pulmões, ainda por cima…!
Como no mais e, particularmente com ele, o bichano era de uma doçura e de uma moleza de causarem espanto, decidiu-se por aquela pequena prevaricação ou infracção aos seus códigos de ambientalista convicto e militante, confiando que a proverbial sornice do bichano, acomodado no ninho que congeminara, facilitaria a aventura.
Pé no barco e primeira sacudidela de mar, logo se apoderou dele a sensação de que a viagem não lhe iria correr de feição. A torrada matinal, misturada com o café com leite, interrompeu a sua marcha ordeira para onde a natureza a encaminhava e deu início a uma penosa regressão, que lhe encheu o corpinho de arrepios.
E assim decorreu a travessia. Batida de mar no barquito e carga ao mar regurgitada pelo nosso herói, sacudido por convulsões espasmódicas, para gáudio de alguns e repugnâncias da maioria, já nem falando do seu espanto pela aparente capacidade de multiplicação da torrada, que parecia nunca mais acabar, dando substância ao seu tormento.
Já perto do embarcadouro da ilha, depois de ter recorrido, pela enésima vez, aos lenços de papel que transportava na mochila para minorar os estragos que tanto vómito - de quem o vento parecia aliado de ocasião - lhe ia deixando estampado na fatiota, eis que um último e avassalador espasmo o sacode, o inteiriça, e, acto contínuo, o leva a projectar-se, violento e descontrolado, contra a amurada, lançando o derradeiro resquício de alma que ainda lhe restava… e lançando, também, borda fora, o infeliz Morfeu, projectado por cima da sua cabeça, pela desmesura do arranque e através do fecho da mochila que permanecera, esquecidamente, por fechar.
Estranhara o bichano as atribulações do trajecto, por parte do seu dono sempre tão afável. O choque gélido com a água do mar e o consabido pavor que o frio líquido provoca em escaldado gato, ocorre à mente do bichano – que a tem, contra a opinião de muitos néscios – que tudo aquilo configurava uma situação de abandono, idêntica à dos relatos que ouvira de tantos dos seus congéneres.
Abruptamente saído do aconchego embrulhado da mochila para aquele pavor de frio e desmesura, nem olhou para trás, a ver do seu, até aí, idolatrado e confortável dono.
À sua frente, a falésia subia e descia ao ritmo das ondas e parecia chamá-lo. Recorrendo a atávicos instintos, se a redundância é permitida em tal momento de aflições, desata a esgravatar na água, de olhar espavorido e sem um gemido até a alcançar e guindar-se por ela acima, com a força do desespero e a habilidade de alpinista experimentado.
O dono, mergulhado na sua angústia e confortado com uma turista italiana compadecida, interessada e interessante, apenas deu pela falta do Morfeu muitos minutos após o desembarque. Levou o desaparecimento à conta de mais uma galderice do bichano, porventura ainda do lado de Peniche, que, a ele, o tormento até amnésia provocara.
A meio da encosta, cansado e aturdido, o velho Morfeu deixou-se ficar numa cama de chorões batida pelo sol, a retemperar-se da desdita, rapidamente caindo nos braços do seu homónimo.
Ao acordar, depara com o olhar circunspecto, tímido mas curioso de uma belíssima coelha brava, que o fitava da sua lura, espantada com o inusitado turista, ela que nunca saíra da ilha, o que, se lhe dava incomensuráveis horizontes, por um lado, lhos entorpecia, por outro.
Desengane-se quem pense que o drama evoluiu em crime. Morfeu, predador por natureza, era uma alma sensível, antes de mais, aos prazeres da vida. E o momento deparou-se-lhe soberano. Entre miados gentis e ronronices a propósito, que colheram da interlocutora uns encantadores estremecimentos labiais de correspondência, em breve decidiram partilhar infortúnios e abandonos.
Ela, também, a pobre, de coração partido por um companheiro useiro e vezeiro em infidelidades, ao qual pusera com dono recentemente, desfrutando agora, só para si, de uma lura excelentemente posicionada, sem acesso a humanos e virada a sul, de onde colhia o melhor aconchego diário do sol.
E assim se descobriram. Diferentes pelagens mas idênticas nostalgias, de vidas bem passadas a aconselharem apaziguamentos que a sabedoria dos dias nos traz.
Hoje, Morfeu, é um gato feliz com a sua coelha, que lhe abriu a porta da lura. Lá vai apanhando uma ou outra gaivota, discretamente, sem que o reparem, para combater imperiosas agruras de fome, ele próprio gato ecológico pela natureza sábia das coisas, farto de saber que o que há mais, nas Berlengas, são gaivotas, de quem ninguém dará pela falta.
Tem, como naturais aliados, em vizinhança inteligente e cúmplice, o lagarto-ocelado, o rato preto e as rolas-do-mar. Não é vulgar, entretanto, deparar com ele em amenos diálogos com a encontradiça mas esquiva coruja-do-nabal, nos seus devaneios nocturnos. Mas definitivo, enquanto dure, é o entranhado afecto que vem desenvolvendo com a coelha-brava…
Afecto contra-natura, dirão alguns. Néscios, esses, que não atentam nos brilhos que ressaltam naqueles olhares, mais visíveis em claras noites, a quem os divise do mar, quais estrelas incrustadas na falésia.
Perdidos dentro dos nossos domésticos afazeres diários,
soporificamente embalados nos braços de Morfeu,
nem sempre nos damos conta
dos sinais premonitores da tormenta.
Então, quando ela surge, a sensação
é a de termos sido repentinamente abocanhados
pela ferocidade das mandíbulas dum tigre.
nas velas do navio da nossa vida,
sentimo-nos sem bússola, perdidos,
desesperados com a situação.
Nessa altura não estamos preparados para vislumbrar
a soberana oportunidade que nos é dada
para refazermos o rumo e retomarmos
o equilíbrio da nossa barca.
Mas, normalmente, depois da grande e inesperada oscilação
navegamos mais adultos e mais sábios
na vasteza do mar oceano da nossa existência.
em mim a criança disse
sacudidela,
situação-oceano
Frágil soberania
em mim a adultez foi
vento, oscilação
batida de frente
em mim
A morte - Morfeu dentro -
Conseguiu ser
navio-tigre sem sono.
só vasteza mesmo.
no vasto oceano, entre sacudidelas, fortes oscilações, intensas batidas das águas no casco do navio - mau grado os ferozes assobios do vento - Alice continuava nos braços de Morfeu. soberanamente adormecida. alheia à violência da situação externa. sonhava embalada pelo constante balouçar.
dentro de dias chegaria a casa. à pátria onde não ia havia anos. a vasteza da savana iluminava-se no sonho resplandecendo doirada. um rugido atroou o espaço e pareceu vibrar em ondas de calor como nos desertos quando ocorrem as miragens. Alice não temeu. aguardou confiante. sabedora que o animal a saudava pois aquele animal era o seu animal-guia e pelos sonhos comunicavam.
um enorme tigre surgiu do nada. luminoso. irradiando luz caminhou em direcção a ela. atirou outro rugido aos ares movendo a cabeça de forma majestosa. alertando os restantes animais que aquele território era seu. chegado perto, parou. Alice colocou-lhe a mão sobre a cabeça e assim ficaram longamente. conversando.
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A tempestade
Deslizo
Mar dentro…
Primeiro entregue
A um mar doce
Calmo e apaziguador…
Mas, logo
Começo a sentir
A batida,
A oscilação forte
no navio,
E olho o mar
Que se transformou
Num oceano
Que se abre soberano
Na vasteza
Das suas ondas imensas
Que vão desenhando
Ora um tigre
Ora um leão
E o vento
Que me leva
E que me traz
Na imensidão
Do momento
E mais uma sacudidela
E outra…
Não sou nada
A situação
Ultrapassa-me,
Mas deixo-me ir,
Perdida e encontrada
Nos braços de Morfeu…
Elsa Sequeira
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... tinha de partir nesta jornada , toda aquela vasteza me convidava para grandes viagens .
Ao longe as nuvens formavam estranhas formas que eu tentava identificar . Uma delas era Morfeu , o filho da noite . Trazia-me sonhos e visões , inebriando-me a razão . Seria um mau presságio ? Era um chamamento ?
Nada como seguir em frente por este oceano imenso .
O anoitecer veio acompanhado de ondas que fustigavam violentamente o navio . A oscilação sentia-se de tal forma que mais parecia uma sacudidela longa e prolongada.
No Céu as Estrelas que iam aparecendo indicavam-me o norte. O vento amainou, acalmando o mar da sua revolta. Pude então apreciar todo o esplendor daquele tapete gigantesco, que reflectia o meu fascínio pelo desconhecido.
O som da ondulação era uma autêntica batida ritmada, acompanhada pelo ranger do mastro principal. E assim no horizonte apareciam os primeiros raios de sol, imagem soberana a que não estava habituado.
Finalmente o dia e um porto de abrigo que se avista. Chamei-lhe "Baía dos poetas", pela sua beleza e misteriosidade.
No alto uma igreja erguia-se por entre rochas toscas e agrestes. À entrada, um tigre deitado em cada um dos lados da porta, fazem a guarda de honra. Lá dentro esouros esquecidos que aumentam a minha imaginação.
Situação peculiar de quem procura para além do infinito.
José Rios (sem blogue)
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guerra
sem oscilação sobre a decisão tomada o soberano ordenou uma batida e os seus olhos brilhavam com a ferocidade do tigre.
as tropas, em rigorosa formação, entraram no navio que, sobre a vasteza do oceano, os conduziria, contra ventos e marés, independentemente da situação no local e das sacudidelas das águas enfurecidas como que em sintonia com a fúria dos homens dentro do seu bojo.
nas próximas horas e dias Morfeu seria esquecido e Marte louvado.
uma maré de fúria e sangue cobriria o mundo.
Dark
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imponderabilidade
a soberana vasteza do oceano nada representa. não tem poder contra a força do vento, que sendo nada mais que ar em movimento, lhe pega como na mais leve pena e de batida em batida, de sacudidela em sacudidela, de oscilação em oscilação o vira de dentro para fora. engole o mais poderoso navio com a fúria do tigre esfaimado dilacerando a presa. a situação torna-se imponderável, mas num piscar de olhos as águas ficam mansas. como se Morfeu sobre elas caminhasse domando-as.
Sereia