sábado, novembro 22, 2008

8º Jogo das 12 Palavras - 2ª parte



As tuas mãos

E sempre as tuas mãos. Sacrário de silêncio onde celebrava o misticismo do amor. unguento sobre a pele. Pelo toque me davas o pão do teu corpo. A água que o sincelo da minha alma gerava, matava-me a sede. Naquele eremitério feito de horas isoladas procurávamos a infinitude improvável. Precisávamos urdir uma rede fina, preciosidade de protecção contra a auto comiseração e a aleivosia dos outros. Talvez a malha fosse larga demais. Por ela fugiu tudo o que ritualizava o amor e, por fim, até as tuas mãos.
Vida de Vidro

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Místico

A infinitude do silêncio colava-se-lhe ao corpo. Caminhava lento, passando as mãos nas formas que o sincelo conseguia urdir nas árvores. A casa era mais um eremitério onde a única preciosidade vinha da luz que entrava a qualquer hora. Havia nele uma aura de misticismo que, no princípio, os outros veneravam. Tocavam-lhe como se lhes pudesse dar o pão da vida. Ou como se dele jorrasse unguento para as dores da alma. Comprovado que não fazia milagres, passaram a olhá-lo com comiseração. Por fim, devia ofendê-los pela diferença, tal a aleivosia com que, em cada dia, o humilhavam. Quando partiu, as árvores choraram, em cada jóia de gelo derretida.
Vida de Vidro

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Maldita droga!

Os pássaros grandes, quando intentam urdir um ninheiro, não têm comiseração de qualquer espécie.
Maldita droga!

Tenho tanta pena de não te conseguir dar a mão!
Tenho tanta pena de que a droga seja o teu pão!
Tenho tanta pena de que, quando te ia conseguindo a recuperação, a tua mãe não tenha permitido, dizendo que não ia deixar o filho recluso num eremitério, sem poder ter a família por perto. No entanto, agora que a começaste a odiar, lavou de ti as mãos!
Essa aleivosia empurrou-te para as ruínas da cidade, onde te perdes numa infinitude de delinquência e miséria.

Lembras-te Tó, quando eras ainda um miúdo no último ano da catequese, e no grupo te indagámos se era verdade que fumavas charros?
Nem sequer te remeteste ao silêncio. Negaste. E soubeste tão bem negar, com um tão grande misticismo que todos fingimos acreditar. Mas fiquei de olho em ti.
O teu pai chegou a falar-me da tua inteligência como uma enorme preciosidade. E eu sei que assim era. Mas começaste a fumar cada vez mais e foste enredado totalmente nas malhas dessa teia impiedosa.

Quando ainda estarias a tempo, sabes bem como demos os passos necessários a que mudasses de ares, para te libertares desse vício assassino… mas à última hora, foste levado a não sair de casa. Mais tarde, outros te tentaram ajudar e te conseguiram internar. Mas, esse sincelo que se despenhou e se espetou em ti, já estava por demais enterrado que nunca mais te abandonou.

Tenho tanta pena de não conseguir encontrar o unguento eficaz que te cure as feridas, para que ganhes o ânimo necessário a te libertares desse reino dos mortos vivos!
Maldita droga!
Fa menor
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PALAVRAS DIFICEIS

Na minha instrução primária havia um Caderno Alfabetado que servia para anotarmos “Palavras Difíceis”. Se ainda o tivesse entre mãos iria, certamente, escrever a preciosidade deste vocábulo “infinitude”; pois procurei no meu velho dicionário de Francisco Torrinha e não encontrei, assim como, na 8ª edição revista e actualizada do Dicionário de Português da Porto Editora.

Como não pretendo sujeitar-me à comiseração dos meus companheiros deste jogo, vou fazer o meu melhor e tentar urdir qualquer coisa que me agrade escrever e que satisfaça minimamente qualquer amável leitor destas aventuras.

Assim, retirar-me-ei para o meu eremitério habitual acompanhada apenas por lápis e papel, um copo de água e um simples naco de pão com que alimentarei os neurónios e mergulharei, então, no silêncio necessário para levar a bom termo este desafio.

Mesmo sem o misticismo habitual a que me entrego, quando é necessário redigir obras importantes, penso não ser alvo das aleivosias de alguns comentadores e, certamente, atingirei o objectivo pretendido, antes de ver os sincelos nas casas da minha rua que, normalmente, se formam nesta altura do ano.

Apenas e só a música servirá de unguento para o desânimo que a alma vai sentir quando acabar o texto e, relendo-o, me invadir a vontade de o inutilizar.
Atelier da Benó
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ENTRE AMIGAS

O silêncio que o misticismo de Clara impusera no eremitério era tão necessário como o pão para a boca.
A aleivosia de que fora alvo, sem qualquer comiseração, pela Joana, sua amiga de infância, trouxera-lhe uma tristeza profunda e, de mãos postas, pedira que a deixassem isolada pois, só assim iria conseguir o unguento necessário para aliviar tão grande dôr.
Nesse retiro, entregue à meditação, iria urdir a melhor maneira de perdoar e na infinitude do tempo, constatar que a preciosidade da vida é composta de coisas boas e menos boas, amores e desamores, sorrisos e lágrimas, muitos prós e alguns contras, e que a amizade entre ela e a Joana, ao contrário dos frágeis sincelos que no Inverno ornavam os telhados da sua aldeia, era suficientemente forte para vencer aquela pequena tempestade que abalara o sentimento que as unia.
 Jardim d'abrolhos
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ADEUS

Chovem amanheceres sobre a planície da tua aleivosia


Vejo-te
Através das minhas lágrimas
Tornadas sincelos,
Antes neblina envolvente
Do bosque cálido,
Quando éramos tudo,
E a alba rosada nos matizava.

Dói todo o silêncio.
Tudo o que suscito em ti
É comieração
A ponto de exilar as mãos,
Aprisionando-as no eremitério da minha face.
Rolam soluços impiedosos,
Aprimorando a arte de pintar sombras.
Atiçam labaredas,
Queimando a infinitude dos sonhos.

Grácil o misticismo que nos circundava,
Quando éramos tanto.
Éramos beijo,
Éramos abraço,
Éramos dar de mãos,
As que agora jazem abandonadas,
Famintas do pão
Feito daquele urdir de pétalas de flor de estrela
Que das estrelas chovia,
Dourado,
Que davam às divindades da nossa floresta,
Para que nos celebrássemos.

Olho-te ainda uma vez,
Vejo-te através das lágrimas,
Outrora rio onde nos refrescávamos,
Unguento que nos protegia,
Que tão delicadamente,
Espalhávamos na pele daquele desejo bom
De nos vermos continuar,
Após breve paragem,
Pelas margens dum tão bem nos querermos…

Tudo vai ruindo...

Vou deixando cair
Povoados de tristeza,
Sobre a preciosidade que houvéramos,
Sobre um coração.
Vejo ainda arder as mágoas
Com os meus olhos
Cristais estilhaçados,
Antes caleidoscópios
Quando te olhava,
Te via,
Multicolor de gestos,
E a noite vinha,
Prenhe de oferendas,
De leitos cálidos
Onde repousávamos instantes,
Quando nos pensávamos…

Fica a vida,
E…
Parto eu…
Cris
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Quando olho para o lado e o tempo pára por segundos, observo a janela e imagino aquele frio saudoso que me prende a cada sincelo, em cada ramo como se de silêncio se tratasse. Na mesa, há pão quente, escondido da fome denominada aleivosia. A minha imaginação alimenta aquele sonho por uns segundos e quase sinto um toque no momento em que ergo as mãos para descrever o momento. A comiseração não fará parte de testemunhos reais, mas antes a obra. O misticismo eleva-se entre a preciosidade do que não se pode possuir e a infinitude do unguento. Urdir não faz parte do meu vocabulário, nem tampouco saberei identificar com clareza o misticismo dos demónios que roubaram as almas poéticas. Vou até ao Eremitério sentar-me um pouco para que não me calem com espadas e sangue. Assim, poderei travar batalhar e erradicar sofrimentos… pequenos, mas existenciais.
Eli
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FEITICEIRITA

Feiticeirita chamava-lhe ele com ternura, sempre que a via correr de braços abertos ao seu encontro, admirando a cada dia que passava a sua beleza.
Cresceu a ouvir aquela voz meiga que ondulava em mar de amor, para dizer a palavra "feiticeirita" e ela habituou-se a pensar que o mundo era como ele, apesar de encontrar outros que assim não eram, julgando que seriam uma excepção.
A sua morte apanhou-a no fim da adolescência, muito perto dos dezoito anos. Viveu o desgosto em silêncio, como é próprio da dor profunda, mãos nuas, vazias de afectos, esperou pelos 18 anos para partir a correr mundo.
Ia trabalhando aqui e ali, qualquer coisa lhe servia, para conseguir comer o pão de todos os dias, mas assim que juntava algum dinheiro, partia mais uma vez, não criando raízes em lado nenhum.
Perdeu-se na Índia, tão carregada de misticismo
perdeu-se na infinitude de caminhos que encontrou e na dificuldade de fazer opções, perdeu-se pelo homem que foi o seu primeiro amor.
Viveu esse amor, como tinha vivido a dor da perda, intensamente, como se finalmente tivesse entre as mãos a maior preciosidade, sem olhar em redor, sem querer saber de mais nada. Ele sentiu-se o rei daquela ingenuidade, de completa entrega, começando a urdir um esquema em que pudesse tirar proveito da sua beleza. Quando percebeu o que queria que fizesse, a aleivosia que urdira, partiu desfeita, em direcção às montanhas, passando a acreditar que todos eram iguais, que jamais acreditaria em alguém.
Comia o que lhe davam pelos caminhos por onde andava mendigando, magra, cabelos desgrenhados, era olhada com comiseração por todos que se apercebiam, pelas vestes esfarrapadas e sujas, ser uma estrangeira que não estava associada a nenhum templo.
Feiticeirita andou durante quase dois anos, sem saber o que procurava, só tentando esquecer aquele amor que lhe levara toda a alegria de viver. O caminho traz muitas vezes o esquecimento, ou pelo menos o adormecimento da dor, é um unguento eficaz para a alma.
Naquela manhã quando acordou o sol ia alto e quando olhou para o cimo da montanha viu o que lhe pareceu um sonho, um pequeno templo cujo sincelo brilhava à luz do sol e à ideia veio-lhe a noção que tinha de eremitério. Subiu esperando que pudessem admitir mulheres, era ali que queria ficar, era ali que precisava de ficar.
Ficou durante alguns anos, aprendendo a esquecer, aprendendo a abrir o coração e a alma, aprendendo a respirar o silêncio, para mais tarde já resplandecente, descer a montanha e continuar o seu caminho de Feiticeira.
Claras Manhãs

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A breve visita do meu amigo irlandês

O meu amigo irlandês veio visitar-me. Não só por saudade, disse ele, mas quase por uma questão de sobrevivência. Cansado do seu eremitério, onde vivia num misticismo de silêncio e comunhão com a natureza, precisava com urgência de um pouco da luz e da suavidade do sul para poder enfrentar um Inverno que se adivinhava feroz, pois mal começara já enfeitava todas as noites os beirais com longos sincelos, que pela manhã brilhavam como brincos de cristal. O sol e a luz do sul, sublinhava, seriam um unguento apaziguador para as suas mãos doridas, para o corpo envelhecido e para a alma cheia de nódoas negras.
E (continuando a esclarecer-me com gravidade e graça) para que a terapêutica fosse completa, precisava também dos cheiros que no norte lhe faltavam: o cheiro do pão quente, o odor da lenha a queimar devagar, a precosidade perfumada de um campo de urze e alfazema coberto por nevoeiros leves.
“There is an infinitude of reasons for one to be happy in your country…”.
Teria sido aleivosia minha não lhe aceitar a infinidade de razões. Embora, conhecendo bem a sua fina ironia, eu vacilasse entre a comiseração pela sua possível fragilidade física e a quase certeza de que se tratava de efabulação sua por motivos indecifráveis. Na dúvida, e sorrindo, limitei-me a urdir à sua volta um casulo de ternura e amizade, e a recebê-lo de braços abertos.
Por cá ficou vários anos…
Justine

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Com a aleivosia que lhe é característica e sem comiseração pelo leitor, mete mãos á obra e começa a urdir o texto no silêncio...
Olha demoradamente o sincelo rendilhado que rebrilha ao sol, dependurado nos beirais e nas árvores do quintal.
Atira aos pássaros as últimas migalhas de pão como se de uma preciosidade se tratasse e bebe mais um gole de chá fumegante..
Embrenha-se no misticismo da escrita, unguento para a solidão que por vezes se faz sentir no eremitério numa infinitude só possível naquele lugar mágico..
Acerca-se da lareira e delicia-se com o crepitar do fogo.. Dali não sairá..Porque ali, tem tudo o que o faz feliz...
Ell

1 comentário:

M. disse...

Somos uns valentes por conseguir responder a este desafio mensal. Estamos todos de parabéns, penso eu, por sermos tão criativos.