terça-feira, junho 24, 2008

4º Jogo das 12 Palavras - 2ª Parte









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como um um corpo de água e cal e raízes faço meu o lodo da loucura. sem método

nem sobressalto. antes sou o sal rosáceo a rasgar o cotovelo da noite.
________________onde vasculhar é emergir-
te.__________imensa

Isabel Mendes Ferreira

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A Catedral

No silêncio da catedral ecoam passos soltos e breves de alguém. O interlúdio do dia adeja por entre a rosácea de miríades lampejos. Feixes rosados, azulados e oiro puro cruzam as paredes. Há paz. A figura genuflecte mesmo junto ao altar em prece ardente. Corpo arquejado ergue as mãos em triângulo de oração. O frémito percorre-a dando sobressalto à figura. Inclina-se mais e mais, esconde o rosto em profundo recolhimento. Assim fica por momentos. A prece termina, alheia ergue o rosto, onde vibrátil uma gota de água rola. Outra e mais outra. Assim leves, simples e puras, as lágrimas escorrem das mãos para o braço deslizando pelo cotovelo direito assente sobre o genuflexório. Sacode-o imperceptivelmente. Um murmúrio solta-se dos seus lábios fazendo emergir um suspiro de paz interior, seguido de um brilho de crença no olhar. Levanta-se, benze-se e lentamente desce o trifório central onde no alto as ogivas entrecruzadas sopram hinos altaneiros. Já no exterior, protege os olhos desse sol casado em céu azul. Avança uns passos, ergue o rosto. Olha a pedra rendilhada, que se ergue dos contrafortes e arcobotantes, ali mesmo ao lado. Pedra cantada de mãos ásperas. Afagos de arte esculpidos em preces de cal humana. No beiral nascente, povoando o algeroz, três gárgulas, hediondas mas majestosas, feias e retorcidas abrem as bocas despidas de raízes de ser. Nos rostos disformes, a quem a pedra tingiu ainda de mais negro, e o artista prodigalizou a loucura em pupilas vazias, perpassa o lodo fétido do sentir errado do mundo que se enxagua sempre que o céu se tinge e quebranta.
Mais acima, lá quase no alto, o pináculo nascente vasculha a imortalidade dos dias na quimérica fé da bem-aventurança. A figura suspira albergando no peito a esperança da sua fé. A catedral jaz imutável no bem e no mal, na sua fidúcia de porvir. O método da alma mora ali.
Mateso



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LUGARES

Passamos por elas, quando atravessamos certos lugarejos à beira das estradas. São escadas de madeira ou de alumínio encostadas às paredes das casas, mas eu vejo-as como se de cotovelo de corpo apoiado à procura de equilíbrio se tratasse. Ao lado, no chão, sob o calor dos dias, figuras curvadas de cansaços vários, nas mãos os pincéis húmidos de silêncios guardados na mistura de água e cal que estremece nos baldes em cada gesto repetido. Método ancestral esse de vasculhar o passado e de o preservar na brancura das paredes, cada um ao encontro de si nas suas raízes tantas vezes perdidas no lodo da pátria ou no sobressalto de um lugar estranho. Lugar de outros, ou de empréstimo apenas, que nem sempre chegará a pertencer-lhes. Mas a necessidade de sobrevivência de cada ser humano contém a loucura do sonho e não importa que seja breve o tempo e a cor de uma rosácea de catedral a emergir no seu pensamento sem fronteiras.
M



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loucura da dor

Dei por mim, sem método que me valesse, num demenciado processo de loucura. A atascar-me em lodo. A vasculhar delirantes memórias.
Em sobessalto busquei as raízes de mim. Origem e âncora de sanidade.
Respirei fundo. Deixei o oxigénio revivificar o corpo e este emergir do lodoso pântano da insanidade.

Tranquilo.
Com a serenidade da água na nascente.

Pousei os cotovelos sobre a mesa. Repousei a cabeça entre as mãos e, na brancura da cal, vi tua etérea figura mover-se ondulante na luminosa rosácea que a luz projectava na branca parede.
Eremita

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No início de um século remoto, em terras de Espanha, o povo andava em sobressalto, apavorado. Uns, atónitos, clamavam atando as mãos à cabeça
-"É coisa do diabo!". Outros, de joelhos no chão e olhos esbugalhados, bradavam

-"É milagre!", "O fim Do mundo!", "Oremos, irmãos!".
Os senhores mais poderosos da época enviaram emissários às origens da sabedoria com missivas secretas.
Ali se reuniram discretos e protegidos alquimistas, zelosos e estudiosos pensadores, cogitando vasculhar o corpo da loucura (assim lhe chamaram) a emergir em forma de cotovelo da água. Perante tal impossibilidade, os primeiros recolheram lodo, raízes dadas à costa pela maré, pó de pedra da rosácea da igreja da Madre del Mar, areia, algas, resquícios de sal, e
tudo misturaram com mezinhas, poções e cal.
Os eruditos debruçaram-se sobre volumosos livros, códices, papiros e elaboradas equações matemáticas. Sem explicação para o fenómeno, afirmaram

- "Aumentem o tributo ao povo!", "Sacrifiquem-se cabritos!", "Imolem-se os ímpios!".
Todos os métodos usados de nada serviram. Subitamente, para espanto de toda a gente, o mar aquietou. Ainda hoje, naquele lugarejo isolado, conta-se aos mais pequenos a lenda do tornado.

Amita

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Estou em sobressalto, inquieta, muito embora tente permanecer imóvel. Com um e outro cotovelo apoiado na janela, aqui permaneço em silêncio… lá fora a chuva cai, devagar, como que a conta-gotas, a água escorre pelo caminho que me leva até ti, mas o qual não tenho forças para percorrer. Sinto uma vontade enorme de gritar, emergir de mim mesma, contrariar a inércia deste corpo que aqui tomba, de pedra e cal, sem forças para lutar por ti. Que loucura esta… tanto amor, tanta dor… nada parece fazer sentido, será que perdi a capacidade de raciocinar? Tento erguer-me, vasculho dentro do meu ser um método de libertar estas raízes que me prendem a esta janela e de ir ao encontro de quem mais amo nesta vida… raízes, lodo, tudo me prende o corpo, atola a alma e me faz sentir profundamente infeliz. Sinto os olhos molhados, a imagem turva, não chove apenas lá fora, chove também dentro de mim… fecho os olhos e, por momentos, adormeço. Sinto o rosto quente. Ainda em sobressalto, sem noção do tempo, acordo… os raios do sol incendeiam-me o olhar, e por instantes vislumbro esta estrela no seu máximo resplendor, uma rosácea de cores dançam para mim e, por momentos, esqueço-me da dor e quase acredito poder voltar, um dia, a ser feliz!

Sónia Pessoa

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Mão no queixo, cotovelo apoiado na outra mão, olho em cada rosácea inscrita na pedra de cal dos túmulos de Inês e do seu Príncipe, gravada com método – como na colcha de Thétis – a loucura dos homens. Vasculhar no lodo da História é encontrar as raízes que nos prendem, purificados pela água que escorre no rosto, a emergir nela o sobressalto da morte anunciada daquele corpo ainda jovem.

É a nossa História inscrita no tempo.

miruii

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talvez


talvez a água tenha escorrido
pelo teu corpo
e falado da loucura
das minhas mãos de cal
quem sabe no cotovelo do rio
viste emergir do lodo
os meus braços raízes
estendidos em sobressalto
como rosácea de oferenda
a um deus implacável
talvez a água te tenha dito
do vasculhar na memória de ti
vendaval sem método ou limite
no leito onde corre a minha vida
Vida de Vidro

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Neblinas I

Era domingo à tarde. Um domingo igual a muitos outros domingos, aquele em que mergulhei neste lodo em que me sinto atolada.
Ainda não sei muito bem como aconteceu. Todo o meu corpo se encontra ainda dorido. Deitada nesta cama de hospital, tento vasculhar a minha memória à procura de um ponto de referência, uma luz que me ilumine sobre o momento em que tudo ocorreu.
Recordo-me de entrar no carro do pai, o Fiat 1100…
- Querida, não te mexas! Dói-te a cabeça? – Pergunta-me a enfermeira acabando de entrar no quarto.
Respondo que não, a cabeça não… O que me dói mais é o braço.
O braço esquerdo foi partido pelo cotovelo. E o rosto… Não sei como está o meu rosto. Sinto-o seco e repuxado em alguns sítios, noutros parece-me húmido, mas não posso mexer-lhe para verificar.
A enfermeira faz novamente o curativo, usando o mesmo método de sempre: lava-o suavemente com uma compressa embebida em água morna e aplica uma tintura vermelha. A minha cara deve ficar parecida com uma rosácea, de tão pintada! Se me olhasse ao espelho, acho que teria um sobressalto, ao reparar na figura que devo estar a fazer.
- Querida, não te dói mesmo a cabeça?
Respondo outra vez que não.
A enfermeira sai do quarto e deixa-me de novo com os meus pensamentos.
Ontem os pais vieram-me visitar e trouxeram-me um bolo. E a enfermeira, ao ver, zangou-se com eles, porque eu não podia estar a comê-lo. Ainda ouvi falar em fractura de crânio… mas, a sério que não me dói a cabeça. E, se doesse, se calhar eu também não diria nada, com medo que me operassem…
Mas, agora, é preciso que eu procure as raízes desta loucura que não me deixa recordar tudo o que se passou.
Lembro-me que, após o acidente, vi o rosto do pai branco como a cal. Só não me consigo recordar como é que fui cair do carro em andamento. Essas lembranças ainda estão no fundo da minha memória, mas sei que, aos poucos, irão emergir.
Fá Menor

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O SÓTÃO


Tinha decidido ir ao escuro sótão vasculhar calmamente, sem pressa nem sobressalto as raízes do seu passado.
A rosácea que iluminava aquele espaço encontrava-se coberta de teias de aranha mas umas vassouradas vigorosas deixaram, novamente, a luz entrar para aquela divisão da casa que tão poucas visitas recebia.
Pensava ir encontrar alguma coisa que o ajudasse a desvendar o enigma da loucura que atormentou os últimos anos de vida de sua mãe. Era assunto tabú, lá em casa, e nenhum método de investigação caseira o tinha ajudado em tornar claro aquele assunto, nem as perguntas indirectas à família, nem a alusão à vida amorosa de seu pai, a morte súbita do seu irmão mais novo, nada disso tinha resultado e, assim, ia dar o “corpo ao manifesto” e pôr-se a remexer naquelas poeirentas recordações para ver se conseguia, com algum trabalho, é certo, fazer emergir daquela água turva que era o passado dos seus pais toda a verdade que lhe parecia metida em lodo.
Havia quatro caixas que continham fotos a preto e branco, algumas já bastante amareladas; outras duas ainda maiores, com cartas manuscritas e presas com fitas de seda descoloridas pelo tempo e ainda estavam mais dois caixotes com vários objectos
que poderiam ter decorado qualquer móvel do século passado. Mas, o que lhe estava a chamar a atenção era aquele boneco de celulóide, pintado de branco, como a cal, despido e só com um braço e mesmo esse cortado pelo cotovelo. Porquê guardar um boneco mutilado, nú, e que aparentemente deveria já estar no lixo há muito tempo?

As horas passaram rapidamente e sem se aperceber a luz foi deixando de iluminar o sótão, o que o obrigou a regressar para junto dos seus dois Rafeiros Alentejanos que o esperavam pacientemente na velha sala de estar. Dois amigos canídeos que o pai lhe oferecera, já no fim da sua vida e, que o casal de caseiros que ainda mantinha na quinta, tratava amorosamente.
Da próxima visita talvez começasse a ler algumas cartas.
Benó


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Cores de um Olhar

Hoje quis apenas viver as cores que me rodeiam...
Sentir o calor do sol beijar-me o corpo.
Emergir do lodo em que este mundo se vai afundando pela loucura de homens feios
Esquecer a mentira, a falsidade, a hipocrisia
Que encontro no virar de cada cotovelo dos caminhos da vida.
Esquecer as guerras, a fome e a miséria
Encontrar um método para acabar com esta sociedade artificial, egoísta e consumista que somos vasculhar no baú das memórias e cortar raízes de tudo aquilo menos bom que insisto em guardar...
Hoje deixei que o meu olhar captasse apenas o que há de belo na vida.
A pequena aldeia de pedra e cal frente ao mar
Os raios de sol coados pela rosácea de mil cores da velha catedral
A água fresca e cristalina que corre em cascata
O sobressalto da minha pele ao toque do beijo teu.
O riso inocente das crianças numa brincadeira qualquer
O abraço terno dos namorados num banco de jardim
Os rostos enrugados com olhos rasos de histórias de muitas Primaveras e tantos Outonos
Hoje, hoje vesti-me apenas com as cores do meu olhar...
Micas


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ODE AO PRAZER


Puseste-me o corpo expectante num sobressalto de prazer, deixando-o à deriva e à beira da loucura com o teu toque mágico e malicioso...Arrancaste as raízes que me prendiam a esse conceito denominado "decência" (e o que é isso, senão dor de cotovelo dos puritanos e conservadores?); arrancaste-me do lodo da rotina e dos dias iguais e fizeste emergir o prazer; andaste a vasculhar a água pantanosa onde o meu ser descansava e sacaste de lá gritos de prazer.
Prazer, prazer, prazer...Para as urtigas a razão. Para as urtigas Descartes e o seu MÉTODO. Abaixo os conceitos de pedra e cal. Abaixo as rosáceas das igrejas. Avé o Prazer!!

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Passeava eu numa das nossas belas serras nortenhas, no Minho, local de grande beleza, serenidade, e frondosa vegetação de um verde intenso, onde o sol reflectia a sua luz.

As estradas estão ladeadas de árvores gigantes cujas raízes formam autênticas esculturas que se infiltram no alcatrão da estrada.

A água jorra em abundância, fresca e cristalina, por vezes formando, caminhos de lodo que dão gozo aos amantes de todo o terreno, que percorrem os trilhos numa loucura sã mas com método. Não implica atentado ao ambiente nem ao meio. Continuei a minha caminhada, quando num sobressalto, vi emergir 2 ou 3 cavalos selvagens na minha direcção.

Fiquei extasiada e feliz por, finalmente, ter o privilégio de conseguir fotografar o belo corpo equídeo que é de uma elegância e beleza de parar a respiração.

De tão emocionada senti nascer-me na face uma rosácea de êxtase por tanta beleza ao meu redor.

O subir e descer aquelas serras, o apanhar flores campestres, o vasculhar aqueles terrenos que guardam autênticos tesouros, o ar que se respira, o céu azul, o piar de uma variedade imensa de pássaros, a serenidade que ali se vive que, espero, tenha vindo para ficar de pedra e cal, é uma felicidade para quem o puder gozar e de certeza que quando o mostramos por fotografias e descrevemos os dias que por ali se passaram, os outros ficam com “dor de cotovelo” por não terem desfrutado do mesmo prazer e encantamento.
mj


7 comentários:

Conceição Paulino disse...

e com prazer, sem ser pleo Minho, também se vai por aqui.E, se me não engano temos, neste conjunto o 1ºtexto erótico do jogo.
Prometes os seguintes a ver pleo anteriores.
Bjs
Luz e paz

Justine disse...

De enorme variedade de olhares, mas sempre de qualidade, as prestações destes "jogadores"

Anónimo disse...

Adorei.
Entretanto fica aqui o meu apelo para:

Olá, este comentário serve para te pedir que vás até ao meu blog e leias o post sobre Ilustração. A ideia é divulgar o mais possível o meu pedido de ajuda. Vai até lá e vais perceber. Desde já agradeço toda a ajuda possível.

Um abraço,

Sónia Pessoa

Fá menor disse...

EStamos todos de parabéns!
Cada vez nos saímos melhor!

Beijinhos a todos

M. disse...

Venho de cima. Aqui deixo também os meus parabéns a todos! Fantástica esta variedade de interpretação!

Heduardo Kiesse disse...

Vou ler devagarinho...

Menina Marota disse...

Cheguei aqui através do Blogue Branco e Preto da Amita, onde o seu texto "A Lenda" me despertou a curiosidade, para este jogo de palavras, que ela tão bem soube expressar.

Grata pela partilha. Prometo voltar para ler com mais tempo.

Um abraço ;)