quarta-feira, fevereiro 25, 2009

11º Jogo das 12 Palavras - 3ª Parte


SELVA INTERIOR

Sonhava com o Tigre da Malásia, soberano da selva, por aqueles lados, dia e noite, noite e dia, preenchia-me a obsessão. Resolvi então percorrer o caminho. Dentro do navio, em pleno oceano vento forte, as vagas alterosas, faziam que parecesse uma casca de noz, eu pequenina, com tamanha oscilção.
A batida do mar no navio infernizava-me as datas, já para não falar da náusea companheira noite e do dia, dia e da noite.
Foi numa dessas sacudidelas depois de vários dias sobre a vasteza tempestuosa, caminho escolhido mas cruel, que olhei a situação percebendo que o tigre estava dentro de mim e que a luta tinha chegado ao fim.
Finalmente pude entregar-me nos braços acolhedores de Morfeu.
Claras Manhãs



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Enigma


dentro da caverna dos mundos,
um enorme ventrículo hexagonal,
tudo é um imenso oceano em flores.

no centro do âmbito,
sustentado por pulsares 0ndulantes,
existe uma flama de batida distinta.

ao fundo,
nos pés da cama de ébano,
desansa o tigre branco da desigualdade.

subitamente,
percebe-se uma sacudidela no olhar.
e solta-se a voz do soberano:

mortal,
na câmara das safiras bidimensionais,
haverá sempre oscilação.
tomarás sempre um navio.

mas para seres no reino de Morfeu,
só pela nau que faz o caminho da ilusão!

resolve o enigma da situação:
vasteza ou vento?
V.F.S



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canção de ninar

vem de dentro a batida
e o soberano ser –
tigre de papel –
levado pelo vento
perdido navio sem
mastros, nem leme.
eleva-se na oceânica
vasteza.

sem controlo
da situação
deriva entre cada
sacuidela
cada oscilação
enquanto
Morfeu canta a
Canção de Aquiles.
TMara/A Cor da Vida

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Lagash

Deitada no beliche do seu camarote, Lagash embala-se no som do vento, que lá fora cospe o estribilho do tempo. A oscilação do navio torna-a sonolenta. As águas do oceano cinzentas de tédio cospem a sua saliva no vidro da vigia. A agonia, que a veste por dentro, contrasta soberbamente com o seu aspecto. Para trás ficaram as ruínas do seu mundo imersas no soberano desdém dos interesses.
Pela retina dos seus olhos cansados passam, em câmara lenta, as imagens dos últimos dias, quando os ares cuspiam o fogo do ódio. Ódio feito em ambição de irmãos.
Lagash soergue-se, passa os dedos pela massa pendente de cabelos negros espalhados em seu redor, e, pestaneja à visão dilacerada, que teima em permanecer dentro de si. Aquele vulto abocanhando a terra de pernas retorcidas e mãos enclavinhadas no ar que lhe acabou, o outro de olhos vítreos e rosto retorcido, um outro encolhido pela dor da bala recolhida na sua carne, aqueloutro de boca escancarada, olhar perdido no amanhã que não veio. O vermelho do sangue empapando o cinzento do quadro. A cor que escorre da tela por excesso. As cores da sua terra, todas em excesso de vermelho, cinzento, negro e raiva.
O crivo das paredes, os esqueletos de ferro retorcidos, o pó, a cal, a argamassa esboroada, o cheiro de pólvora, o suor liquefeito em rancor, os olhares baixos, cravados na terra árida de vontade e amor. O vento quente que crepita nas ruas faz crer que a vida se esconde por ali, algures. Na esquina perdida de um pneu, no olhar ferido da criança, na burka negra que corre ziguezagueando na busca do alimento ou talvez, quem sabe do corpo caído no asfalto estilhaçado.
E a memória pulula, gira, envolve, amarga, fervilha.
As mãos que se enclavinham, as unhas que rasgam, a dor que mitiga a memória.
Lagash rebola o corpo no beliche, puxa da almofada e esconde o rosto. A memória recrudesce em tons mais ácidos. O marido e a filha mortos. Cá fora perto da palmeira do quintal. Um míssil. Uma explosão. Fumo e cheiro de carne queimada, sangue. Pedaços da sua carne espalhados aqui e além. O horror, a ânsia, a dor. Sentir que as suas entranhas foram rasgadas, sentir, que a sua alma foi roubada, sentir, o nojo, o vómito de estar viva, sentir, o quebrar da vontade, o uivar da mente. Tudo isso. Ajoelhada na terra, bebe o pó enxofrado da morte, grita o horror da insídia dos homens, daqueles que se alvitram seus irmãos. Um irmão não mata, não rouba, não rasga. Um irmão ampara.
Sacode-se. Toda.
Não sorri. Levanta-se e maquinalmente puxa pelo xaile e cobre os ombros magros. Encosta-se à vigia e contempla o mar. Na vasteza do horizonte os seus fantasmas diluem-se. O azul cinzento mergulhado lá ao longe por entre uns raios desmaiados de sol acordam-na para a sua situação real.
É uma refugiada. Política, assim definida.
Lagash.
O nome, a terra, o rio, o tigre, leito do mundo e cópula da humanidade. Aos milénios de vida sobrepõem-se, agora, os segundos de morte. A sua terra de onde lhe vem o nome. O seu destino parou aqui. O resto, o resto é a sombra de si, da sua alma partida.
………………………………………….
Londres
O ritmo alucinante do jornal torna-os quase histéricas de prazer. As notícias que povoam os teclados e monitores, os telefones que ressoam ininterruptos, conferem aquele ar desarrumado mas fervilhante. No seu gabinete envidraçado, James deita o olhar sobre a redacção. Conhece-os a todos. Os bons, os aspirantes e os trepadores. Cada um a seu género. Mas no final a equipa é soberba.
Aqui conta-se o mundo, jogam-se os destinos, constroem-se os mitos e arrasam-se os conceitos. Todavia, momentos há, em que também se edificam as boas vontades e se vendem as histórias de vida, mas pouco. O bom não é vendável, a miséria é ávida em pormenores, qual fiel de tempos e vidas em desequilíbrio.
Hoje, ele, James Previl, tem uma reportagem fabulosa. Uma sobrevivente, uma mulher. Lagash Mashhadani, a irmã de Tayseer al Mashhadani, a líder dos sunitas feita refém, e posteriormente libertada. Lagash é notícia. Tem a equipa de reportagem pronta para recebê-la em Heathrow, depois de amanhã.
Lagash será a protagonista de uma série de crónicas sobre a verdade do Iraque. James, pese os seus sessenta anos sente-se ligeiramente excitado pelo impacto que prevê ir alcançar, e, sobretudo pelo aumento previsível de vendas Uma mais -valia.
Não é implacável nem desumano. Não fora ele, outro, seria. O clima de luta pelos objectivos lucrativos torna as pessoas metodicamente especulativas. Ele não é diferente, tem um lugar cobiçado a defender.
Esfrega as mãos e levanta-se. Cá em baixo em Fleet street a vida move-se inexorável. O corrupio das horas, dos passos, dos olhares, esgares e sorrisos dão o tom à sua cidade. Londres merece o esforço, merece a notícia.
Dois dias. As folhas riscadas de negro serão manuseados por milhares. A vaidade fá-lo opado. O rosado da face balofa rebrilha a par do cinzento dos olhos. Um fulgor de vitória que trinca antecipadamente.
Senta-se na sua cadeira, gira embalando-se, um sorriso de beatitude cai-lhe do rosto. Fecha as pálpebras, cruza os braços unidos as pontas dos dedos. O sono doce alastra-o. E ela vem, o seu rosto, a sua mágoa, a sua história. A pessoa. Ela que lhe crava o dedo na carne, dilacerando-o. Aquele olhar de censura e ódio também. Acorda. Volve o olhar pelo cubículo. Ninguém, não podia ser. Mais uma comédia de enganos vestida de Morfeu . Puro engano!
James Previl predador de desgraças, gente do mundo encolhe os ombros e esfrega as mãos.
Somente dois dias. Uma pequena espera.
…………………………………….
Lagash.
Novo agitar, outra sacudidela, outro frémito expandido.
Abre a porta e sobe até ao deck. O vento fustiga-lhe o rosto e o corpo. O mar revolto ondula em vagas que a fazem baloiçar. Enfrenta-o. Crepita de fúria. As vagas criam berços cobertos de lençóis de espuma. A chuva batida, vinda sabe-se lá de onde ensopa-a. Agarra-se. Bebe a água, e o sal, e o vento, e o dia.
Bebe. Bebe fundo, bem fundo. Como se lhe purificasse as entranhas em chaga. Sente um ardume, uma dor fina que se alastra que a envolve. Está viva! A sua maldição.
Esperam-na do outro lado. Sabe que a esperam. Sabe as regras do jogo que vai jogar. Sabe que tem a vida por um fio. Sabe o risco. Valerá a pena? Não teme porque nada tem. É livre de razão e coração.
Fica ali, parada em silhueta ondulante ao sabor do mar. A noite cai. O negro cobre-a. Mais um véu, de tantos que a vida a macerou. Porém, este agiganta-se na sua vontade, envolve-a no precipício do tempo. Um gesto, só um. Ei-la. Ali, vogando entre o céu e o mar, no rasto da liberdade, no amanhã renascido.
Mateso

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O tigre na sua jaula
(recordando e aproveitando Der Panther, de Rilke)

O tigre, dentro da jaula, sentia ao longe a batida das vagas contra o casco do navio.

Não estava assustado. Apenas triste por a cada minuto se afastar do seu mundo, da sua família, dos seus cheiros.

Aturdido com a ocilação do oceano e uma ou outra sacudidela mais forte, fechava os olhos e tentava entregar-se a Morfeu e ao esquecimento, e só raro abria a “silenciosa cortina das pupilas”.

Sentia, e sofria, a irreversibilidade da situação: deixara para sempre de ser soberano na vasteza ilimitada da savana, nunca mais correria contra o vento, desafiando a natureza e os outros animais. O futuro deixara de ser seu desde que caíra na armadilha do caçador.

Cansado e impotente, fechou o coração e desistiu.
Justine


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RECORDAÇÕES”
Nas praias da minha infância, em África, passei momentos de grande felicidade.
Naquelas areias corri, brinquei. Sonhei. Saltava para dentro dos barcos, arrumados junto às árvores, à espera dos pescadores. Os solitários encontram-se na praia, jogam futebol de praia, estendem-se ao sol e vivem os seus amores. Um dia, um tremendo susto, pois um tigre que tinha fugido do zoológico, corria pelas dunas. Um perigo enorme para todos, mas Deus é soberano e tudo se resolveu da melhor maneira.
Ao fundo, um navio espreitava, saindo do oceano.
Junto à janela, miro a solidão pendurada nos galhos dos cajueiros. É noite de luar; o vento move os moinhos nos prazeres do destino. No silêncio da noite ouve-se o suspiro de uma sereia na beira do mar. Olhar o céu e se arriscar pela areia da praia, vendo a lua, como quem está de partida. De repente, uma batida forte interrompe os meus pensamentos.
Diante da vasteza do tempo e da imensidão do escuro, é um imenso prazer para mim saber que estás por perto. Conheces o sabor das minhas lágrimas. Procuro o teu regaço. A cabeça deitada em linho macio, o cabelo enfeitado da luz do luar… Vem pois, Morfeu de mansinho, acalmar o meu sono agitado.
Uma oscilação forte no meu peito agoniado. Sinto a boca seca. Mas que situação tão estranha!!! Para quando um pouco de Paz, dentro de mim?
Na rua, filas de carros aguardam a passagem do comboio, que desliza velozmente. Perante a sacudidela do vento, as minhas roupas levantam-se e, envergonhada, afasto-me.
Dormindo, sou livre para sonhar!
Então, finalmente sorrirei.
Ester Afonso


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NO PROMONTORIO


Ao olhar a vasteza do oceano que me rodeia e que, hoje, é cruzado por grandes navios, recordo o nome dum grande português que habitou por estas paragens onde eu, agora, vivo, passeio e sonho.Daqui, homens corajosos partiram em pequenas embarcações, autenticas cascas de noz (simbolicamente falando), desafiando deuses e monstros habitantes desses mares soberanos que tornavam cada viagem dessa gente audaz, marinheiros feitos à força, arrancados à sua terra, numa verdadeira aventura.Os fortes ventos que obrigavam a uma oscilação constante daquelas pequenas embarcações, tornavam a situação daquela gente, dentro do pequeno espaço em que eram obrigados a viver, um verdadeiro inferno. Por vezes, o desespero era tanto, pela falta de alimentos, água, higiene, etc. que havia verdadeiras lutas de tigres pela simples obtenção duma côdea de pão ou uma gota de água.Quando a brisa proporcionava descanso e a nau balouçava-se em leves sacudidelas, a marinhagem podia, enfim entregar-se, por algum tempo, nos braços do Morfeu e usufruír de algum descanso. No entanto, a batida do seu coração, onde já não cabiam tantas saudades, era forte demais para ele ser completo. Tudo isto, eu recordo, sentada no Promontório da minha terra. Daqui, eu vejo grandes navios equipados com o que há de mais moderno em tecnologia naútica, transportando marinheiros e passageiros para essas terras longinquas desbravadas com tanta dor e coragem pelos portugueses do Infante.


Benó

6 comentários:

Conceição Paulino disse...

comecei pelo fim. Boa leitura de facto. imaginação solta e muita criatividade. Continuarei pois há muito + a ler.Parabéns aos já lidos. Gostei francamente.
Bj

tulipa disse...

Mais uma participação que me dá imenso gozo em "brincar" com as palavras!!!
Obrigado Amigo EREMITA pelo prazer que me proporciona em poder participar.
Li o meu trabalho e todos os outros, são fantásticos os textos.
Imaginação não falta!!!
Talento e prazer juntos.

Já no parágrafo final encontrei um erro:
..."Perante a sacdidela do vento, as minhas roupas levantam-se e, envergonhada, afasto-me..."

Sacudidela é a palavra certa.

Bom fim de semana.

Anónimo disse...

É sempre um prazer ler as participações.

Parabéns e obrigado

VFS

Mateso disse...

Cadavez mais alto.. um prazer. Parabéns a todos.
Bjs

Fá menor disse...

Mais um bom conjunto de textos!
Parabéns a todos!
Beijinhos

Benó disse...

Em nome pessoal agradeço a todos os parabéns para todos.
É um prazer colaborar aqui e fazer parte deste conjunto de jogadores em que não interessa quem perde ou quem ganha. Interessa,sim, participar, jogar com as palavras e no fim, postas as "cartas na mesa" ver o jogo dos outros todos.
Obgda Eremita por me proporcionares momentos agradáveis de leitura.
Continuaremos até quando????
Um abraço.