quarta-feira, outubro 10, 2007

variações

entre a realidade e o sonho andei por aí fora mais dias do que previra e vos transmitira.
Entretanto voltei há já largos dias, mas na vida surgem coisas inesperadas e assim a ausência continuou e vai continuar, mas não sem hoje vir aqui e passear um pouco por este belo mundo criado na virtualidade onde o real da solidariedade humana se mostra em esplendor.
Sei que existe uma outra face, como em tudo onde a humanidade se apresenta.
Felizmente essa outra, negra, tem andado de mim arredia e espero que continue.
Os dias que pela serra andei foram deliciosos, no tocante à natureza e a alguns humanos e novos conhecimentos.
O mais interessante foi a "nhora Nininha", como é tratada e advém-lhe tal diminutivio da peculiar forma de construir as frases.
Diz ela que assim é desde que se lembra.
Conta hoje oitenta e cinco rijos e lúcidos anos.
Os filhos, seis rapazes, emigraram, vivem muito bem nos países de acolhimento onde ela já foi várias vezes e gostaria eu de saber reproduzir as imagens com que nos transmite as emoções que esses estranhos países e gentes de diferentes e estranhos usos e hábitos lhe provocam, mas confesso minha impotência para tal. Minha incompetência, afinal.
Voltemos ao nome: "nhora Nininha" fala sempre, mas atenção que quando digo sempre é mesmo sempre, usando diminutivos.
Por exemplo, ao falar das galinhas dizia-me: "Veja o senhorinho que as minhas galinhinhas andam por aí, soltinhas.
Comem ervinhas, bichinhos que por aí é o que mais há, mas do que elas gostam mesmo é de comer minhoquinhas.
Havia o senhorinho de as ver...
As pobrezinhas ficam louquinhas e brigam umas com as outras, coitadinhas, tentando roubar à galinhinha que apanhou a minhoquinha a pobre bichinha.
Olhe, até faz dó, pois se não bastasse a bichinha ser comida, antes fica toda partidinha com a briga das minhas galinhinhas"

Não pensem que brinco ou deliro, nem que ela assim fala por debilidade ou esclerose.
Não sabe explicar o porquê.
Lembra-se que sempre assim falou e o geito ficou-lhe de tal forma que nunca falou doutra forma.
Nina lhe chamavam os pais.
- "Por eu sempre falar assim o povinho baptizou-me de Nininha.
E pegou. Por mi tá bem. Sempre esteve.
Não é falta de respeitinho. Até é um miminho, um carinhinho, não acha o senhorinho?"
E ri-se. Alegre. Com uma pureza que já raro se encontra.
E dos "filhinhos", dos "netinhos" e das "norinhas" me fala, com carinho e elogios e
m que se desfaz também com lágrimas, se fosse ela diria umas lagriminhas, quando fala dos seus ricos "netinhos" e também dos "sobrinhinhos que são como filhinhos", pois tanto ela lhes quer quanto eles a ela e nela sempre buscam conselho e orientação.

Lido desta forma parece que é louca ou esclerosada.

Longe, mas muito longe de tal.
Modo de falar que o isolamento alimentou e forma carinhosa em que sempre se expressou.
Sábia é esta mulher que ali vive só, contra a vontade dos filhos que a querem com eles, no conforto e segurança de suas casa e amor.
Falámos muito.
Acabei por ficar três dias na zona e passei a maior parte desse tempo com ela.
Vim de lá mais rico e humanamente mais "humano" e com maior capacidade de compreensão e respeito.
Como se ela me houvesse retirado uma venda que desconhecia velar-me os sentidos do corpo e da alma.

Lá voltarei sempre a enriquecer-me, pois fiquei convicto que apesar da idade, do isolamento, da distância que a separa dos filhos e restantes entes amados que por norma vê duas vezes por ano, não se sente só, nem solitária, embora diga que estaria melhor se tivesse:"o meu Albertinho" comigo. Foi sempre um bom maridinho e bom companheirinho.
Um mourinho no trabalhinho que só visto". E suspira.
Um som suave que lhe sai fundo do pequeno peito pois é franzina.

17 comentários:

Marta Vinhais disse...

Lindo este texto; muito humano e carinhoso...
Obrigada pela resposta ao meu desafio....
Adorei...
Obrigada pela visita...
Beijos e abraços
Marta

Sol da meia noite disse...

Maravilhosa a forma como enalteces valores humanos, neste texto, na sua forma mais simples e pura.
Verdadeiros ensinamentos!

Beijo!

Isamar disse...

Uma história muito bonita de alguém que foi criado com muito amor e muito carinho e a quem as penedias da região não endurecereram como acontece com alguns. Mas se à " nhora Nininha" não lhe faltaram os carinhos, os mimos, os "doces" da vida, a ti, eremita,que nos contas esta história, felicito-te. É que me pareceu mesmo estar a ouvir esse ser maravilhoso.
Deixo-te beijinhos e vai aparecendo mais.

isabel mendes ferreira disse...

Absolutamente TOCANTE este seu Texto!



terno de doer. a doer de terno. Lúcido.


e bom.


que bom!


_______________________

obrigada Eremita.


enorme abraço.

david santos disse...

Na realidade, este texto são verdadeiras lições.
Parabéns e bom fim-de-semana

Isabel disse...

Pessoas como a nhora Nininha enriquecem-nos sempre a vida ...
Conheci muitas dessas idades, que me tocaram o coração e se deixaram tocar por mim, ensinaram-me muito e até me deram o prazer de lhes ensinar alguma coisa, deram-me risos lágrimas e gargalhadas e eu tentei tirar-lhes as lágrimas que hes vi e dar-lhes sorrisos, cantigas, danças e principalmente atençaõ.
O que lhes dei " às minhas velhinhas" foi nada comparado com o que me deram a mim.
Deram-me as histórias das suas vidas e com elas aprendi tanto a troco da minha atenção companhia e sorrisos.

Nunca gostei de ouvir diminutivos, porque sempre achei que era uma afronta à pureza bela das palavras... mas chamo às "minhas" velhas, "minhas" velhinhas e acho que ia adorar a tua nhora Nininha

Gostei de aqui passar


Isabel

Tatá disse...

Algo além de uma história: uma lição de vida.
Lindo seu blog, repleto de muita luz. Voltarei sempre.

Beijos com carinho e amizade

LUIS MILHANO (Lumife) disse...

Venho convidar o Amigo a passar pelo "Beja" e receber o prémio "Blog Solidário" que lhe foi atribuído.

Um abraço

Lusófona disse...

Que riqueza!! O meu marido em África e eu a me sentir só... Esse texto deu-me muita força..

Beijinhos e felicidades por onde caminhares

Sei que existes disse...

Acredito que tenhas aumentado a tua riqueza interior, do teu ser, e isso é verdadeiramente maravilhoso!
Há pessoas que por vezes surgem nas nossas vidas e de repente, sem sabermos muito bem o porquê, marcam e mudam a nossa perspectiva sobre algo, alguém, ou sobre a própria vida...
Beijo grande

Anónimo disse...

Bela figura essa senhora Nininha. O fato de ela só tratar tudo pelo dimunitivo, me fez lembrar do poeta e letrista Vinicius de Moraes, que tinha o hábito de chamar todos os amigos pelo diminutivo, fosse o sujeito grandalhão. Pessoas assim são dignas da maior admiração e carinho. Um abraço e uma bela semana pela frente.

un dress disse...

imersão em banho de ternura...

pouco me limpo.

prefiro sempre secar ao ar...


terno.beijO :)

Papoila disse...

Um Texto fantástico. Uma licção de vida que nos fortalece a "nhora Nininha".
Beijos

a d´almeida nunes disse...

uanta humanidade transparece deste seu escrito, caro ermeita (ério). Fico, às vezs, a pensar, ao ler os seus escritos em como será a vida aparentemente vagabunda que leva, por gosto, por mor das coisas e das pessoas.
E que reconforntantes narrativas nos faz...
Espero que possa continuar assim e que eu tenha tino para o poder continuar a ler.
Receba um grande abraço
António

Paula Raposo disse...

Uma delícia de texto!! Bem haja a Nhora Nininha.

bettips disse...

E eu que tanto gosto de "pedrinhas" mimosinhas (eta é lindíssima!) acho uma ternura a senhora falar assim porque sim! Gostei de saber da sabedoria, tão simplesmente apreendida. Vim deixar um abraço.

Amita disse...

Que boa fortuna a tua por escontrares um ser que irradia tanto carinho e amor. Uma pessoa sábia que tanto nos dá sem o saber.
Obrigado pela partilha
Um bjo e uma flor