terça-feira, abril 22, 2008

2º JOGO DAS 12 PALAVRAS - 2ª e última parte

Começamos esta 2ª parte de postagem dos textos do 2º jogo das 12 Palavras com um texto de Isabel Mendes Ferreira que respondeu de jacto ao meu desafio nos comentários.

Como ela, IMF, disse: “fiz ali mesmo de repente só para te mimar...”- no máximo 10’ depois de lho fazer nos comentários do seu PIANO.

Pedi-lhe autorização para aqui o colocar, pois reparei que muitos de nós somos leitores assíduos de sua escrita.
« (...) brincar.
e só e apenas porque sim, assim:
00
"Viagem em que envolvente te envolvo, faço-te flores como quem abre a caixa do
sol que desnuda a sombra onde sem licença e na ténue linha da vida te descubro em viagem de fel e chocolate."
___________...
__________________
(...) sem veleidades (...) apenas por achar a ideia lúdica e desafiante.____________...quebrei as regras do enunciado...:) *
________________________ (...)gosto de improvisos. e este é só um»
*Degrau – não existe no texto, mas as linhas podem configurá-lo...
IMF
XIII



Abriu-se a caixa ovalada e eclodiu uma deusa.
Parou no único degrau e descansou a sua beleza ténue, ainda na linha de sombra, como quem pede licença para voar.
As flores, qual chama envolvente, chamavam-na para a vida.
Então, altiva, deu início à viagem terrena, toda ela transparência e delicadeza, asas soberbas, pintalgada de chocolate, amarelo-sol e esplendor.
Sua excelência, a Borboleta-Monarca
Jawaa
XIV
Degrau a degrau escalo a montanha da vida, viagem que começa ao sair do ventre materno e cujo final é um mistério...
Aqui é o dilúvio, as águas avançam sem pedir licença, só de quando em vez espreita a medo uma ténue e envolvente réstia de sol.
Na linha do horizonte desenha-se nova tempestade, pintam-se sombras, são nuvens, água que não tarda em cair....
Á lareira, no aconchego do teu abraço devoro com a tua ajuda a caixa de chocolates trazida de surpresa.
O amanhã vislumbra-se diferente, a chuva dará lugar a um amanhecer ameno, e por montes e vales, desfrutando da tua doce companhia quero cáminhar, desfrutar do verde dos campos, do calor sobre a pele e mão na mão percorrer os caminhos da nossa infância. Rebolar na relva, e deliciar-me com o perfume das flores que desabrocham em cada dia de primavera....
Ell

XV



Caminhava o arrasto da sombra
sob a linha ténue da vida.

Curta a senda, longos os passos…
pela Rua das flores que lentamente subia.
Da calçada, apenas o empedrado lhe sussurrava
uma canção antiga que trauteava baixinho
embalando a caixa de chocolate
nos seus braços trémulos e finos.

Extenuado, febril pelo sol do meio-dia,
aninhou-se no degrau da soleira de uma casa
desfiando memórias encanecidas:
a licença obtida para ver a família;
a turbulenta viagem a bordo do Santa Maria;
aqueles braços pequeninos que para ele corriam…

Adormeceu a existência do tempo
num envolvente sorriso.
Amita

Posteriormente a Amita enviou um 2º texto. Como nada definimos quanto ao número de textos que cada um podia enviar e serem postados e dada a qualidade aqui o deixo:



XV - A
Escrevo…
O teu nome de sombra num leito de chocolate
no envolvente degrau da espaçada memória.

Escrevo…
Omitindo a ténue licença do sol
despontado pela linha das flores,
na caixa em eterna viagem.

E, da vida,
teço outonais ramas de palavras
de infinitude suspensa.

Escrevo…
A inefável nudez da hora.
Amita


XVI

Encerrei-te como recordação numa caixa e em breve não passarás de uma sombra que se atravessou na minha vida. Subirei a custo mais e mais um degrau no caminho que me obrigaste a percorrer de cabeça erguida. E tu, tu mantém-te longe, não tens licença para me voltares a tocar!
*
Vou empreender uma viagem envolvente para dentro de mim própria, redescobrir o meu sol. *
A linha que nos separava até agora ténue encontra-se reforçada por uma barreira intransponível.
*
Estranho, até o anel com a pedra enfeitada com três flores que me ofereceste naquele dia especial parece perder o dourado. E tão-somente como a tua imagem no meu coração, derreter-se-á como chocolate.
marta m
XVII



Ténue é a linha do horizonte
O sol quase se embala no mar
Sem pedir licença, mesmo sem ponte
A vida avança para me chamar

Degrau a degrau continuo a viagem
Levo numa caixa somente um sonho
Misturado com flores nesta aragem
Ser apenas eu, se a pensar me ponho

E não há sombra que me detenha
Nem sabor de chocolate quente
Nem qualquer envolvente que venha
Desviar-me deste linha: o presente
José António


XVIII
A primeira viagem

Pôs o pé no primeiro degrau da carruagem, olhando a plataforma na esperança de que alguém tivesse vindo despedir-se. Aquela era a sua primeira viagem para lá da cidadezinha de província onde vivia. Fantasiara que alguém chegaria à estação a correr com uma caixa de chocolates e flores nos braços. Como nos filmes. Mas quem viria? Na sua vida ignorada de empregada de uma pequena empresa, tinha um ou dois conhecidos a quem nem podia chamar amigos. E vivia só. Da família, tinha a ideia ténue da existência de uns longínquos parentes. Quem viria, na verdade? Era a primeira licença que tirava, mais por não saber o que fazer do que por zelo no trabalho. Mas, num dia em que o sol brilhava e um sorriso desconhecido a tinha acariciado, decidira aventurar-se. Aqueles quinze dias ao pé do mar talvez a tirassem da sombra em que sempre tinha vivido. Entrou na carruagem, abriu a janela e aspirou o aroma envolvente dum belo dia de Verão. À medida que o comboio ganhava velocidade na linha, algo lhe dizia que ia iniciar uma nova vida. Fechou os olhos e sonhou com águas cálidas e um desconhecido cujo rosto não tinha ainda contornos. Não era sempre assim nos filmes?
XIX


Ténue a linha que me prende a esta humana vida.
Coisas boas, há-as.
O sol, sua límpida e quente luz, as flores, na variedade de cores e odores que no meu profundo reino marinho não é tão rico, tão heterogéneo.
Dos alimentos fascina-me o degustar do chocolate que desconhecia.
Quando encetei, degrau a degrau, esta viagem, do meu mundo marinho para o terrestre, sem licença de meu pai, uma sombra pairava-me na alma, mas nunca imaginei a dimensão das envolventes e esmagadoras sombras que amarfanham as relações humanas destruindo-as, fechando-lhes os cérebros, como se encerrados em herméticas caixas sem visibilidade, ...sem horizontes...
sereia


XX

ele ajeitou a sacola já coçada da tropa ao ombro e preparou-se para subir o degrau do comboio regional. depois duma semana de campo estafante, sempre debaixo de chuva e a ouvir a gritaria do sargento de instrução, e os ossos e a mente a pedirem-lhe descanso, aquela licença de fim de semana ia saber-lhe mesmo bem. ia de visita à terra, aquela pequena aldeia no meio do vale. aquela aldeia que o viu nascer e fazer-se homem, testemunha dos seus amores e desamores e sorriu ao lembra-se da sua terra e das suas tropelias enquanto moço.
era uma aldeia cruzada por apenas por meia dúzia de ruas que subiam e desciam conforme o relevo natural do vale, onde flores de várias cores e de vários cheiros espreitavam nos beirais das janelas; ali ao lado corria um ribeiro, onde os miudos e graúdos se iam banhar para se refrescarem do sol escaldante da época do estio. era uma delícia ver o pequeno caudal encher-se de risos e de piruetas mirabolantes, a tentarem impressionar os elementos do sexo feminino ali presentes.
nas noites de Inverno, quando a sombra da noite tocava o vale mais cedo do que o habitual, e o frio se fazia sentir, acendia-se uma fogueira no centro da aldeia. o fogo que ao inicio surgia timido e ténue, em breve dava lugar a enormes labaredas, proporcionando troca de conversas entre novos e velhos, onde as tradições orais e os conhecimentos dos antigos eram passados para a próxima geração, criando-se assim uma atmosfera envolvente e de convívio.
a casa da tia joaquina era a mais frequentada...fazia uns doces e bolos de criar água na boca, vendendo-os no mercado municipal da vila. ela bem enxotava os miudos à vassourada, mas não adiantava...depois de se banharem no ribeiro, eles passavam religiosamente na sua casa, e apesar dos seus protestos, ela dava-lhes sempre uma generosa fatia de bolo de chocolate.
lembrava-se ainda daquele ano em que queria comprar uma prenda para a sua primeira namorada e não tinha dinheiro. pegou então numa caixa e lá depositou graxa e uma série de escovas, e andou de porta e porta a engraxar os sapatos aos aldeões, os quais aderiram cumplicemente a esta iniciativa, uma vez que sabiam desta paixoneta, e queriam ajudá-lo a fazer boa figura. afinal não há amor como o primeiro, e quando as coisas acabaram, ele ficou com o coração destroçado. ele tinha a ilusão, própria dos primeiros amores, que este seria um amor para a vida.
ele acordou dos seus devaneios, acordado pelo estremecer do comboio na linha, e olhou lá para fora...ainda tinha uma longa viagem pela frente até à sua pequena aldeia, aquela aldeia no meio do vale...
Mac


XXI
Spa



É um dia especial!
Muito especial na minha vida.
Resolvi tirar licença das minhas tarefas rotineiras e deixar-me mimar pelas doces mãos de alguém profissional no assunto.
Caminho um pouco a pé, e um ténue raio de sol nesta linda manhã de primavera acompanha-me no meu caminhar para a estação do MetroUm degrau, dois, três e eis-me a apanhar a linha amarela para o meu destino. Um local onde está alguém que por algum tempo se ocupará só e exclusivamente de mim e onde deixarei que um envolvente banho de chocolate, entre outros mimos que vou exigir me deixe fresca e viçosa como as flores do meu jardim.
Adoro guloseimas e da última viagem que fiz à Bélgica trouxe uma caixa de bombons, daquela marca minha preferida que, rapidamente, foram devorados mas, estar envolvida por aquele creme escuro, morno, cheirando ao meu doce predilecto, é algo que me irá saber sem SOMBRA de dúvida uma delícia sem igual!
*
Hoje é o dia do meu aniversário e sou feliz!
Benó

XXII

Breve Viagem...



Era quase noite
E o sol desenhava No horizonte
Uma linha ténue
envolvente
Enquanto a sombra
Descia e me acariciava
E eu sentada
No degrau da escada
Deleitando-me...
E...sem pedir licença
Embarcava numa viagem
Que me levava
E me trazia...
O cheiro das flores...
Ia perfumando o meu mar
E á minha volta as crianças sorriam
Traziam a caixa dos seus sonhos
Que abriram para eu ver...
Era a vida
Feita sorrisos
Lambuzados de chocolate
Nos rostos inocentes de
Ser criança...
Dair




XXIII


Meu querido sol há quase um ano que te escrevo estas missivas sempre incompletas, por faltar uma resposta que lhes ilumine o caminho até à tua caixa. Quando elas te encontrarem nesse ermo para o qual partiste flutuando entre negras névoas, pedirei licença à linha ténue que separa a bruma da sombra e… sem chorar, entregarei a minha vida neste conjunto de cartas manchadas pelas lágrimas, outrora quentes, arrefecidas pela aspereza do tempo. Questiono-me acerca da tua coragem para subir o degrau do amor restrito e me dares aquele abraço envolvente que só o sentimento mais profundo é capaz de assumir. No entanto, esta nossa viagem precisa de ser feita. Entregarei meu corpo ao toque de flores e reconhecerás na minha voz o sabor a chocolate.
Eli


XXIV

O dom

Sempre o envolvente ruído, pairando.
Pesada sombra sobre a ténue linha de meu pensamento.
*
O psicólogo dissera aos pais:
- Vossa filha pode ser tudo (acentuando tudo) o que quiser nesta vida.
Seja na área das letras, ciências, até nas artes...
*
Ouvia o que era dito bem como os pensamentos de todos. Aqueles que as pessoas não querem partilhar - que não querem que os outros conheçam - tantas vezes contrários ao que as bocas dizem.
Sempre assim fora
.
Por isso me isolava muito.
Todas aquelas vozes, umas mais nítidas do que outras, o torvelinho de emoções de cada ser, as felizes e as destrutivas – e estas eram predominantes - invadiam-me sem licença. Transformavam-me o cérebro numa caixa de -Pandor(a) que se abria para dentro, derramando-se no meu ser, arrastando-me para indesejadas e tenebrosas viagens.
Pesadelos acordados a todas as horas.
Dia e noite. Nem o sono me libertava destas agressões.
*

Em criança o ruído de tantas vozes e emoções era mais suave. Cheguei a brincar com "amigos" que, do nada, se corporizavam diante de meus olhos.
Cedo me apercebi que os pais pensavam ser imaginários e ao escutar os pensamentos deles, não expressos, mas tão nítidos como os ditos, percebi que melhor era não falar no assunto, muito menos referir o que mais tarde vim a ler em livros e que denominavam "dom".
*
Dom? Um autêntico tormento.
Escadarias do vazio para o vazio- o Inferno de Dante a correr em meu cérebro e alma - construídas com todas as emoções e dores humanas - as físicas e todas as outras - cujos degraus não passavam de armadilhas que quase me conduziram à loucura.
*
Aprendi a controlar esta invasão. Nunca na totalidade, mas o suficiente para manter a sanidade.
Li sobre Yoga e meditação. Li não. Estudei, trabalhei, pratiquei. Pratico.
E tem-me ajudado.
Senão há muitos anos que estaria num colete-de-forças …
*
Meus pais nunca perceberam que sendo nós citadinos passasse o máximo tempo só, vagueando pelos campos desertos, com os livros e o que mais fosse necessário, nunca esquecendo um lanchinho e um chocolate. A água bebia-a pelas fontes.
*
Tinha que silenciar os alheios e envolventes pensamentos, negra e esmagadora sombra.
A maioria carregados de tantas emoções destrutivas, raivas, ódios, maldades inimagináveis …
*
Isolada nos campos, desfrutava finalmente o silêncio, o calor do sol… mergulhava o corpo num leito de flores selvagens, ou nos trigais, e podia, finalmente, ouvir os meus pensamentos, sem interferências.
*
- «(…) dizia ele aos pais que eu poderia ser o que quisesse na vida…» "Poderia", disse-o bem.
O que sou hoje?
*
Mera sobrevivente que recusou ser cobaia ou enriquecer utilizando o denominado dom de que falo hoje pela primeira vez!
*
Dom...ou maldição nesta sociedade?
TMara



XXV
Viagem

Não tinha capa nem outro agasalho.
*
Um lenço. Isso. Trazia na cabeça um lenço de lã dobrado em bico.
*
Sobrava-lhe o pano sobre o rosto. Achegava-lhe aos olhos de repuxado que o fazia adiante. Um lenço de cor parda. Um castanho russo. Teria, em outros tempos, sido um lenço numa linda cor de chocolate. Cobria-lhe o cabelo todo. Nem vislumbre deste e nem do rosto. Com jeito, viam-se-lhe os lábios rosados e carnudos. Raramente, num sorriso, divisava-se uma carreira de dentes brancos, falhado, de uma queda, um da frente.
*
Tarde de Inverno. Chegavam-se os dias uns aos outros, curtos como os passos que ela salpicava na rua que levava de casa de Beatriz, a casa do Frederico, e desde, lá mais para baixo, à sua. Caminho que fazia três dias na semana, sempre no início e no fim da tarde, sempre pela ordem de ser ele o último visitado. E sempre rezando dois Padre-Nosso e uma Salve-Rainha na laje amaciada pela dobra da saia debruada a veludo, em frente do altar de Santa Teresinha. Sempre essas orações, na Igreja Matriz alumiada pela ténue luz das velas, no largo que cortava em dois o caminho de uma a outra casa.
*
Não trazia capa nem outro agasalho.
*
Nem trazia nada que a dissesse caminheira. Que a mostrasse em viagem seguindo a linha de flores que ponteia a berma do caminho.
*
O sol desfazendo-se em escarlates para além do povoado, para além dos montes de onde, em outros tempos, vinham gentes sem mais vestir que um fato puído e roto, ou muito remendado, sabe-se lá de que dono cada bocado. Nem a ponta de uma camisa sobrando por debaixo. Pele e osso e sarro. Se traziam, eram botas rotas, desatadas ou presas com cordões desirmanados. As mais das vezes, era como vinham: descalços. Nas mãos, o quase nada de um alforge mirrado de estar esquecido de ser ele um local para guardados. Gentes de fora do lugar onde ela vivia desde que fora nascida, lá mais para os lados da azinhaga, onde seu pai tivera um próspero negócio de colchões. Seu pai vestira a palha com riscados que faziam camas de senhores e enxergões de pobres. Não dos muito, muito pobres, dos remediados. Vestira também lãs, mas mais raro, e morrera cedo, de cirrose. Nunca teve mãe. Não a sabe.
*
Maria Ema, como a baptizaram, não trazia mais do que um lenço a amparar o frio, o vento, a chuva miúda que caía.
*
Acresceu na reza dessa tarde, a dezena de um terço. Dez compassadas Ave Maria Cheia de Graça por alma da Margarida.
*
Doente que ela estava desde o Pentecostes.
*
- Só caldos muito aguados e água.
*
- Muita água e chá.
*
Assim dissera o médico, assinando um remédio desenganado.
*
Chás de ervas variadas, lhe dera a mãe, dia após dia. Beatriz era nisso entendida. De nada lhe valera, pobrezinha. Sumira-se pouco a pouco. De repente, não mais a Margarida: a que virava ninhos e entornava os tinteiros da escola e galdeirava em cata de amoras, e tomava banho nua na ribeira. Mal entrara o Outono, dera em esbrasear em febres que nenhuma cataplasma atenuava. Na semana passada, um suspiro rouco, mais assim um grito desistido, e Margarida partia para um outro mundo. Nem tinha idade de ser morta, se para tal houvesse idade. A cabeça muito loira descaída sobre um ombro, e as mãos, cuidando que ainda rezavam, muito unidas até se despegarem, de uma a outra, sem vida.
*
Nevara.
*
Não tinha abafo que não fosse o lenço de lã que quase lhe cobria o rosto.
*
Nesse fim de tarde de Novembro, esfriado, ela desagasalhava.

*
As pedras do caminho escureciam. Ficavam sombreadas antes que se apagasse o azul que era a porta da casa. Uma porta apenas e um postigo largo. Nem janelas.
*
Maria Ema subiu, um e outro, cada degrau que eram dois, e desprendeu o trinco. Foi entrando sem dizer com sua licença sem chamar por nome. Foi-se achegando, as mãos abrindo a sombra num tontear de cego, antes que os olhos se lhe afizessem e desdobrassem o todo em unidades.
*
Um espelho esfacelado na metade, reflectindo-lhe o lenço; uma saliência na parede, espantalhando uma palmatória pingada de cera e um galo azulado a dizer de humidades; uma caixa de folha coberta de chita e, por cima, torto na parede, um quadro de uma Santa com Menino. Sobre uma mesa de camilha, um jarro e uma bacia, ambos em barro com rosas vermelhas desenhadas.
*
E, sem precisar de desfazer a sombra, Maria Ema via a cama de ferro, demasiado grande para o espaço exíguo, e Frederico sentado na cadeira de palha, os lábios afogados na boca desdentada. Os lábios que ele traz à tona num sorriso.
*
Quebra-se a sombra em luz.
*
Descai nos ombros o lenço que já foi da cor do chocolate.
*
Caem duas tranças muito negras.
*
Tranças ponteadas de branco. Tranças quase todas prateadas.
*
E os olhos, dependurados nele que veio de lá detrás dos montes.
*
Olhos azuis, como era o céu numa longínqua tarde envolvente e morna.
*
Tarde de Primavera repetida no pino de muitos Invernos.
*
Não tinha capa, nem lenço, nem tinha pano outro que a vestisse.
Mcorreia


XXVI


Dou-vos licença para partilhar uma viagem às praias, serras e sapais do nosso “Algarve”, numa Primavera anunciada e com um toque de Verão… Foram uns dias sem sombra de dúvida inesquecíveis, cheios de sol, cheios de vontade de viver, cheios de cumplicidade, cheios de coisas bonitas. A vida é feita de coisas simples, a envolvente da natureza deixa-nos calmos, serenos e numa ténue nostalgia deambulamos pelos campos, repletos de laranjeiras, vegetação rica e diversificada, flores campestres de agradáveis odores e belas e diversas cores…
De degrau em degrau fomos até ao cimo do castelo de uma das muitas cidades algarvias, onde se avistava a linha do horizonte, a sequência em ziguezague dos telhados, as planícies cheias de arvores de fruto a perder de vista e uma visão do mar azul e calmo, onde na época estival nos banhamos e divertimos esquecendo a zona interior e montanhosa.
De regresso, recebi uma caixa cheia de cascas de laranja com chocolate para comemorar os dias doces e felizes que passámos juntos.
Foi uma viagem agradável, retemperadora de forças, de reencontro connosco, de descanso e de descoberta e redescoberta de locais, vilas, cidades, recantos, gentes, de sabores…
É de repetir!
mj


XXVII

Paradoxologias


A cor e dar de manhã cedo um jardim inteiro de flores de todas as cores.
*
A cor e dar ao teu lado do lado contrário da tua presença transparente.
*
Ser espanto e pranto e encanto no ténue desamor acordado sem desperta-dor
*
Enquanto me desencontro nos labirintos do teu corpo chocolate em sua cor.
*
A imprimir os meus e os teus sonhos no interior da caixa onde os esquecemos
*
E ser somente um inquietação de estar quieto sem a tua licença proibida
*
Tabém ela esquecida como uma espécie de sombra aparentemente separando a distância entre a partida e o regresso dessa tua viagem desa – linha – da

Sim, desalinhada e amarrotada como um degrau

................................................................................Degrau
..........................................................................................Degrau
..........................................................................................................................Degrau

Que desce ao encontro do festival da vida em duplos orgasmos fora do prazo de validade

E ter idade para vencer o tempo e ter tempo para vencer o sol e ter luz para chegar longe

E ter poesia para acender os momentos em que ela se apaga
E ter garras para derrotar os ponteiros do relógio e as ciladas do destino

E ter um mundo como vitória, o sorriso de uma criança a recriar e reinventar abecedários novos, caminhos novos, alfabetos novos, um novo sentir e pensar sempre constantes e diversos

Sempre envolvente e sempre em overdose de palavras e ternura.


XXVIII


Na linha ténue e envolvente que separa a asa do avião da sombra das nuvens, a viagem acontece, na rota do sol e das flores. Ao encontro da vida.
Desço um, um degrau só, e ela está ali, à minha espera.
Ofereço-lhe a caixa de chocolate.
Peço licença para amar.
miruii

XXXXXXXXXXXXXXXXXX

Agora que já leram os textos do 2º Jogo das 12 Palavras deram conta da novas e novos participantes a quem dou as boas-vindas.

Por outro lado, alguns dos amigos (3) que participaram no anterior impossibilitados de participar neste.Aguardamo-los nos próximos, e a todos, sempre que possível.

13 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

estou "estarrecida"....

pela qualidade...dos participantes.

mesmo.


estou "envergonhada" pelo meu imediatismo...:)


porém honrada....com a tua ternura E.


____________________.
forte abraço.
grato.

Justine disse...

Eremita, mais um excelente trabalho de promoção do diálogo entre todos nós, que tu amigavelmente coordenas e moderas.
Obrigada

Bichodeconta disse...

Estou deliciada com alguns, diria deliciada com os textos, jogo de palavras, entrançadas, onde cada um lhe dá a volta que quer, puzl do qual cada um tira uma peça e a põe num lugar, dando lugar a um quadro magnifico.. A Isabel , como sempre deixou-me deliciada com aquele excerto ao piano... um abraço, ell

M. disse...

Deixo parabéns a todos também nesta "divisão" da casa do Eremita, já que o jogo está dividido por duas salas.

Fá menor disse...

Deliciosos todos os textos!
Bijinhos atodos e bom fim de semana prolongado

Anónimo disse...

Realmente a criatividade é algo de incrível. Não vou dizer sobre este ou aquele texto a não ser que um me deixou comovida tal como imagino que cada pessoa que leu os vários textos sentiu esta ou aquela afinidade com esta ou aquela escrita.
Um mundo... que fazes bem em trazer ao de cima Amigo.
Um Abraço que significa mil palavras,
raquel

mena maya disse...

Fantástico com a partir de 12 palavras se podem escrever textos tão diferentes e com tanta qualidade!

Parabéns a todos!!!

Que belíssima ideia a tua, Eremita!

Micas disse...

Uma verdadeira delícia saborear estes textos numa primaveril manhã de domingo.

Benó disse...

Como participante repetente sinto-me lisongeada com tanto elogio.A todos o meu Muito Obrigada.
Mas a nota máxima é sem dúvida para quem teve a ideia do jogo. O meu também Muito Obrigada por deixar que eu brinque com as palavras.
Boa semana!

Conceição Paulino disse...

não sei k diga tal o prazer e também a surpresa - não pela qualidade - mas variedade de sentido dada às palavras e que produz textos tão belos e plenos de sentido(s).
Estou feliz por estar na vossa companhia.
Obrigada amigo pela ideia deste projecto e a todos os participantes pelas belas partilhas.
Bjs
Luz e paz em nosso caminhar

Nilson Barcelli disse...

Qualidade e diversidade.
É o que se me oferece dizer com tão excelentes participações (praticamente todas).

Boa semana, abraço.

Eli disse...

Olá!

Resolvi ler mais alguns textos e descobri o meu nos dois posts! Aparece repetido, mas não me importo! Não mudes, senão, iria alterar a ordem dos outros!

É engraçado acontecer assim, pois desta forma as pessoas que o passarem em vão no primeiro post, poderão não o fazer no segundo!

Parabéns a todas as participações!!!

:)

Afrodite disse...

é esta a principal razão por que me mantenho neste mundo dos blogs ao fim de 5 anos; se tivesse seguido um ou outro impulso de afastamento, perderia a oportunidade de conhecer um Eremita, o maestro desta belíssima e tão talentosa orquestra.